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A carta, a escola e a educação

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A carta chegou à diretoria das escolas públicas e privadas em todo o Brasil poucos dias antes do início do ano letivo. O remetente foi o próprio ministro da Educação, o teólogo e professor de filosofia Ricardo Vélez Rodríguez, que desde 1° de janeiro está à frente da pasta em Brasília.

“Brasileiros!”, invocou o ministro em sua carta. “Vamos saudar o Brasil dos novos tempos e celebrar a educação responsável e de qualidade a ser desenvolvida na nossa escola pelos professores, em benefício de vocês, alunos, que constituem a nova geração”, continua o texto. “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos!”

De acordo com a recomendação anexada ao documento, o texto deveria ser lido “no primeiro dia de volta às aulas” perante professores, funcionários e alunos, que seriam colocados em fila para cantar o Hino Nacional em frente à bandeira do Brasil e seriam filmados cantando.

Questionado pelo jornal O Estado de São Paulo, o ministro disse que se tratava de um “pedido de cumprimento voluntário” e que, com a medida, pretende-se iniciar “uma nova era no Brasil” e que a atividade no primeiro dia do ano letivo “faz parte da política de incentivo à valorização dos símbolos nacionais“. Depois, ele ainda admitiu ter errado e pediu que fosse retirado o slogan de campanha de Bolsonro e a frase sobre filmar os alunos. Mas as críticas não cessaram.

“Para um governo que defende tanto uma escola sem partido, parece que está querendo partidarizar”, criticou no jornal Folha de São Paulo Carlos Frederico Ghidini, coordenador-geral da Associação dos Diretores da Rede Pública do Espírito Santo (Adires), o atrelamento do Hino com o slogan de campanha de Bolsonaro. “O aluno não pode fazer propaganda para o governo federal.”

Também o Conselho Federal de Secretários de Educação (Consed) exigiu em nota que o “ambiente escolar deve estar imune a qualquer tipo de ingerência político-partidária” e que o “Brasil precisa, ao contrário de estimular pequenas disputas ideológicas na educação, é que a União, os estados e os municípios priorizem um verdadeiro pacto pela aprendizagem.”

O diretor da Associação Brasileira das Escolas Particulares (Abepar), Arthur Fonseca Filho, criticou o pedido como “inconveniente na forma e no conteúdo” e que, além disso, seria ilegal filmar os alunos sem autorização expressa dos pais.

O deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) afirmou pelo Twitter que vai denunciar o ministro Vélez Rodríguez por crime de responsabilidade. Mas ainda não se sabe se todas as diretorias de escolas do Brasil receberam a carta ou apenas algumas selecionadas.

Aliados do governo rebateram as críticas. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) fez uma comparação com os anos 1980 – “tempos em que professor não era agredido, cantava-se o hino nacional e não música pornográfica”.

O ministro de 75 anos deve estar satisfeito com o burburinho em torno da carta. Como professor de universidades regionais, o teólogo de origem colombiana nunca foi destaque nacional. Ideologicamente, ele é considerado um linha-dura que quer – como ele próprio afirma – livrar as escolas do Brasil da ideologia marxista.

Do ministro, ainda não se viu publicado nenhum pensamento ou medida sobre como remediar a grande miséria educacional brasileira. Nos últimos anos, o Brasil vem ocupando os últimos lugares nas pesquisas do Programa Internacional de Avaliações de Estudantes (Pisa), realizadas pela OCDE em 35 países do mundo.

Para Claudio Fonseca, diretor do Sindicato dos Professores Municipais de São Paulo (Sinpeen), o pedido do ministro parece que quer criar uma cortina de fumaça para desviar do caos da educação.

Olavo Nogueira Filho, diretor de políticas educacionais da organização Todos pela Educação criticou na Folha que o ministro considera o pedido importante, “ao mesmo tempo em que silencia sobre questões urgentes que precisam ser enfrentadas na educação brasileira”, segundo informou a DW.

Ainda nesta terça-feira, já houve os primeiros sinais de resistência à medida ditada pelo ministro. O governo de Pernambuco comunicou que a solicitação não será cumprida no estado. “Nosso entendimento é que esta ação do MEC fere a autonomia da gestão em nossas escolas e, especialmente, a dos entes da federação”, disseram as autoridades estaduais.

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