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Millenials, uma geração incompreendida

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Texto de Cristina Burack

Vamos jogar um jogo? Que palavras você associa com o termo “millenial”? Hipster? Mimado? Egocêntrico? Jovens que reclamam do fato de não serem levados a sério enquanto encenam uma chique torrada com abacate no Instagram?

Na realidade, o termo “millenials” tem ligação muito mais profunda com dívidas asfixiantes, emigração por motivos econômicos e um ímpeto de trabalho incansável. Você não acha que combina muito bem? Talvez seja porque a realidade da vida dos millenials seja uma bem diferente daquela que é com frequência retratada. E é exatamente esse retrato que ridiculariza os seus problemas e que não reconhece nem sua resiliência, nem seu otimismo.

Esclarecendo de antemão, eu mesma faço parte da geração dos millenials, que incluem pessoas nascidas entre o início dos anos 1980 e o fim da década de 1990. Mas o ponto de partida das minhas observações não é indignação pessoal, mas muito mais um comentário sagaz de um membro do movimento político pan-europeu “Volt Europa”.

Não faz muito tempo que participei de uma mesa redonda do “Volt Deutschland”, em Bonn, para escrever sobre o partido sobre o qual a revista Politico escreveu: “Ele é fomentado por ‘CDFs’ políticos da geração dos millenials.” Os jornalistas da Politico foram irônicos? Ou será que fizeram uma tentativa séria de descrever, assim, um partido fundado no final de 2017 por três europeus de quase 30 anos?

Durante o encontro, quando perguntei aos estudantes e jovens profissionais sobre exatamente essa “etiqueta“, alguns ficaram revoltados – entre eles, o responsável pelas finanças do grupo, também ele um jovem millenial: “As pessoas reclamam que nós não nos engajamos politicamente. Quando o fazemos, recebemos diretamente um carimbo desses.” Isso se deve ao fato de que, na maioria das descrições da geração millenial, ressoa um certo desprezo.

O que é interessante é que, frequentemente, muitos millenials tendem a nem querer ser identificados com a própria geração – pelo menos, isso é mais comum do que nas gerações anteriores. E, presumivelmente, também devido às conotações negativas desse carimbo.

Continua-se dizendo que os millenials não votam, apesar de, nos Estados Unidos, a participação eleitoral dessa geração ter sido maior no pleito de 2016 do que em 2012. Injustamente, eles também carregam a culpa do resultado do referendo do Brexit, porque, afinal, não teriam ido votar. Dizem que os millenials fracassam nas relações na vida real porque são dependentes de redes sociais, e que fazem corpo mole no trabalho para desperdiçar dinheiro num latte caro demais num café da moda mais próximo, em vez de economizar para o próprio futuro.

Mas é fato que, apenas pela coincidência dos anos em que nasceram, os millenials são obrigados a lidar com condições muito duras de vida. A crise financeira global os atingiu em cheio, dificultou sua entrada no mercado de trabalho e os fez sofrer reveses nas principais conquistas da vida. Ao contrário do que se costuma dizer, eles não são “nativos digitais”, mas viveram a da ascensão da tecnnologia da internet – assim como suas consequências destrutivas.

O fato de os millenials passarem dificuldades chega à consciência pública muito lentamente. E, até que se reconheça que, na verdade, eles são muito esforçados, deverá demorar ainda mais. A crença de que só se avança na vida com trabalho árduo está profundamente enraizada em sua psique – muitas vezes, por causa de seus pais, da geração dos “baby boomers“, que viveram exatamente isso.

Mas, apesar de trabalhar duro, muitos millenials não avançam – e acabam trabalhando mais ainda, apenas para sobreviver.

Nos Estados Unidos, muitos deles tentam se virar de alguma forma, apesar das esmagadoras dívidas para pagar os estudos e da estagnação dos salários. Na Itália, é principalmente essa geração que é afetada pelos cortes massivos nas despesas públicas. Muitos jovens precisam mudar de país para encontrar um trabalho.

Na Alemanha, muitos millenials estão presos entre diferentes minijobs (trabalho com remuneração inferior a 450 euros mensais), com os quais mal conseguem viver. A tendência caminha na direção da “Gig Economy” e de contratos por tempo determinado, sem segurança financeira. Se a insegurança econômica levar a mais populismo, em teoria a União Europeia precisará temer um tsunami dos millenials nas eleições para o Parlamento do bloco, em maio.

Mas é exatamente quando se trata de identidades nacionais que os millenials são mais abertos que as gerações precedentes. Isso também se verifica no movimento pan-europeu Volt. Ele ainda é pequeno, mas atrai apoiadores de todas as idades, que compartilham da abertura dos millenials e de seu desejo por uma UE mais justa do ponto de vista social e econômico.

Esses objetivos são marcados pelas experiências dos millenials. São respostas esperançosas aos desafios específicos dessa geração. Está mais do que na hora de escutar realmente esses jovens. Eles têm problemas bem diferentes do que procurar a próxima “torrada de abacate”.

(Cristina Burack trabalha na Deustche Welle)

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