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As mulheres do Xingu

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Quando a informação começa a chegar, elas não conseguem evitar mudanças profundas em seu modo de vida. Direcionadas culturalmente para cuidar da roça e da casa, as mulheres do Parque Indígena do Xingu, em Mato Grosso, começam a se organizar para defender o que consideram mais valioso: o território coberto por florestas.

“A partir do momento em que a gente começou a saber do mundo lá fora, a gente viu que as ameaças vêm principalmente do governo, que tenta acabar com nossos direitos, com nossas terras“, diz Amairé Kaiabi-Suia, de 33 anos, enquanto recebe no rosto a pintura de seu povo.

É ela que abre a reunião inédita entre mulheres de 16 etnias que vivem nas aldeias espalhadas nas sub-regiões alto, médio e baixo Xingu, em meados de maio. É a oportunidade para todas compartilharem o que sabem sobre as últimas decisões anunciadas em Brasília. Cercadas por Floresta Amazônica, a cidade mais próxima, Canarana (MT), está a um dia de viagem – incluindo trajeto de barco e carro.

“Apesar de a gente já ter nosso território demarcado, esse atual governo vem falando que quer diminuir ou rever o que já foi feito”, fala Iré Kaiabi, de 39 anos, sobre o governo de Jair Bolsonaro. “Nossa preocupação é que a gente possa perder o que conquistou com a luta dos nossos antepassados e que os outros povos, que ainda esperam demarcação, não consigam esse direito”.

Watatakalu Yawalapiti, de 38 anos, e sua irmã Anna Terra Yawalapiti, de 35, lideram esse despertar. “Ainda existe muito preconceito por sermos mulheres”, diz Anna. “Mas a gente não quer ficar nem atrás, nem na frente: queremos estar lado a lado lutando com os nossos homens”.

A luta é para manter a floresta. “A mata e os rios são importantes para que nossos filhos cresçam aqui, tenham de onde tirar os alimentos, construção de suas casas, seus medicamentos. Tudo o que a gente precisa ter é o nosso território”, explica Watatakalu.

Mas, para ir além do Xingu e chegar aos centros de decisão, o apoio dos caciques e das lideranças das aldeias é fundamental. Sinharo Kaiabi, cacique da aldeia Ilha Grande, no médio Xingu, local onde o encontro foi realizado, aprovou o evento que reuniu mais de 190 mulheres em sua comunidade.

“Muitas moram em aldeias espalhadas e não sabem o que está acontecendo, principalmente nesse governo, que está mudando tudo nas áreas indígenas”, afirma. “É muito raro elas conversarem sobre novas políticas. Muitos de nós, homens, dão poucas oportunidades. Mas eu apoio”, diz.

O Parque Indígena do Xingu, com 27 mil quilômetros quadrados, foi a primeira área demarcada no país, em 1961. Marcada por uma grande biodiversidade e riquezas culturais preservadas das 16 diferentes etnias, a floresta continua bem preservada dentro do território.

Ainda assim, para a cacica e pajé Mapulu Kamayurá, do alto Xingu, a riqueza de seu povo está comprometida. Da mata, ela sempre retirou remédios, comida e água. “Quem está acabando com o que ainda tem de floresta é o governo, os fazendeiros. Essa é minha preocupação. Onde vão ficar nossos netos?”, questiona.

Impactos das mudanças no clima – Wisio Kaiabi, de 60 anos, uma das pioneiras no movimento de mulheres, coloca os impactos das mudanças climáticas no topo de suas preocupações. “Estamos sofrendo com muita quentura”, diz sobre a temperatura. “Isso não acontecia antes. Mas agora os fazendeiros estão chegando muito perto das nossas terras, acabando com as matas e a quentura está vindo para dentro do Xingu”, afirma.

Os impactos relatados pelos indígenas estão de acordo com medições de pesquisadores. Quando uma área de floresta desaparece para se transformar em lavoura, a temperatura da superfície sobe até 5°C. “Esse efeito também aumenta a temperatura do ar próximo à superfície, assim, o desmatamento em grande escala, como o ocorreu no entorno do Xingu, pode teoricamente ajudar a explicar a sensação térmica narrada pelos indígenas”, afirma Divino Silvério, pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).

O estudo feito por Silvério na bacia do Xingu mostrou que a conversão da floresta em plantações e pastagens entre 2000 e 2010 fez com que 35 km³ de vapor de água deixassem de ser produzidos. Uma área de floresta convertida em lavoura apresenta redução de 33% na evapotranspiração. “É um vapor de água que deixou de virar chuva, diz Silvério. (Da DW)

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