Texto de Vilson Antonio Romero
Decisões recentes de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal de Contas da União (TCU) determinaram medidas coercitivas à administração tributária federal que devem causar, no mínimo, preocupação aos cidadãos contribuintes brasileiros, em especial, aos que defendem o combate inclemente à corrupção de agentes públicos.
Em razão de pouco mais de 130 contribuintes pessoas físicas, entre elas pessoas ligadas a ministros do STF e seus familiares, terem sido selecionados para um trabalho mais acurado de auditoria e fiscalização, foi determinado o afastamento de dois auditores fiscais da Receita Federal do Brasil do exercício regular de suas funções.
Além disto, em caráter liminar, devem ser ouvidos seis outros auditores e, por incrível que pareça, suspensos os mais de uma centena de procedimentos de fiscalização dos demais contribuintes selecionados tecnicamente pelas equipes de programação da Receita Federal.
O supremo ministro coator alega em sua decisão, a possibilidade de “graves indícios da prática de infração funcional, penal e improbidade administrativa”. Com base no que não se sabe!
Já no âmbito do TCU, onde se debate uma rubrica salarial instituída por lei para os servidores da administração tributária federal, um dos membros do colegiado foi ele próprio ou uma pessoa próxima notificada pela Receita Federal em agosto para comprovar o pagamento de R$ 13 mil a um médico, lançado em declaração do ano-base de 2015. Aparentemente como vindita, a autoridade do tribunal determinou que o órgão responsável pela administração tributária da União apresentasse, em menos de um mês, o rol de todas as autoridades dos Três Poderes que foram investigadas nos últimos cinco anos, bem como quais auditores participaram das investigações, com números, datas e fundamentação de cada procedimento.
Mais de 30 milhões de brasileiros entregaram, no início deste ano, regularmente suas declarações de ajuste anual, por terem rendimentos tributáveis ou isentos ou patrimônio acima de determinados padrões estabelecidos anualmente na legislação tributária.
Mas, além de entregarem suas declarações, todos esses contribuintes têm suas declarações passadas pelo crivo da Receita, devendo apresentar consistência nos valores de renda, patrimônio e tributação, nos termos da legislação vigente.
Os auditores do primeiro caso explicaram que ambos fazem parte da equipe especial focada no combate a fraudes fiscais e que estavam trabalhando com base em critérios técnicos, objetivos e impessoais adotados pela Receita Federal, tudo em conformidade com as recomendações do Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi). Inclusive a Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) contra a Corrupção determina uma maior vigilância do Fisco sobre autoridades públicas.
Portanto, os auditores não têm o poder de “escolher” os contribuintes a serem fiscalizados. A defesa ratificou que os dois auditores agiram de ofício, sem dolo, e não cometeram nenhuma irregularidade. Também demonstrou que o vazamento de informações sigilosas que deram origem ao inquérito se deu por um dos contribuintes envolvidos na fiscalização e não por parte dos Auditores.
Tanto a medida do TCU de exigir informações sobre a ação fiscal de meia década quanto a do STF de afastar dois profissionais de suas atividades e suspender mais de uma centena de procedimentos de fiscalização relacionados a altas autoridades causam mal-estar social e colocam em xeque a credibilidade, lisura e transparência com que operam as instituições brasileiras.
Como se isto não bastasse, ainda vêm do Palácio do Planalto reclamações de que familiares ou pessoas próximas do presidente da República estejam sofrendo “devassas em suas vidas financeiras”, engrossando o coro dos que querem estar blindados contra o fisco.
Parece que querem criar uma casta de “infiscalizáveis”, acima da autoridade tributária legalmente constituída por agentes e servidores de Estado e não de governos. E querendo colocar-se acima e muito além do conjunto dos mortais contribuintes brasileiros, numa blindagem “suprema”. Ou mudam-se a postura, os critérios e as deliberações dos ministros e autoridades, ou teremos a porta aberta para a impunidade e, até, para a imunidade tributária de uns poucos.
(Vilson Antonio Romero é auditor fiscal, conselheiro da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e assessor da Presidência da Associação Nacional dos Auditores da Receita Federal do Brasil)