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Reforma Tributária: a sociedade participará da discussão em meio à pandemia?

Roberto Rocha e Aguinaldo Ribeiro

O relator, deputado Aguinaldo Ribeiro, e o presidente, senador Roberto Rocha, durante reuniao de instalação da Comissão Mista Temporária da Reforma Tributária/Arquivo/Agência brasil

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Matemática não é o forte de muita gente. Juntou percentuais e colocou siglas no meio, piora a compreensão. Mas uma coisa é fato: falou em imposto, todo mundo entende que paga demais, que os tributos são muito altos, seja você empregado ou patrão; se for microempreendedor, o Estado pode até seu sócio majoritário.

Há muito tempo se clama por uma reforma tributária, mas é um tema muito polêmico e complexo. Desde a Constituinte não houve nenhum Governo que conseguisse maioria no Parlamento capaz de aprovar uma proposta eficaz; estamos vivendo de improviso. Isso porque tal reforma envolve diferentes disputas, entre: Governo v­­ersus agentes econômicos e sociais; entre a União, Estados/DF e Municípios; além, da disputa entre as regiões do país – mais pobres e mais ricas – e, nas próprias classes sociais. De modo geral, há aqueles que querem pagar menos impostos e outros querendo aumentar sua arrecadação; os que querem manter e até ampliar os incentivos e as renúncias fiscais, e outros não querendo perder o que já tem garantido. No final, quem tem maior poder aquisitivo acaba pagando proporcionalmente menos do que os que têm menos.

Como Antônio Augusto, analista político e diretor de Documentação do (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) afirma: “Além de injusto e irracional, o sistema tributário é cumulativo, fragmentado, penaliza os mais pobres; estimula a evasão e a sonegação (…)”.  Um dos principais problemas é porque no nosso atual modelo a carga tributária incide em sua maioria sobre a produção, o consumo e os serviços. Visto que o brasileiro, principalmente o mais pobre, não tem o hábito de poupar, sobrevive com sua aposentadoria ou salário (a média do país não passa de três mil reais), naturalmente são os mais prejudicados. Dados de junho deste ano, divulgados pelo Impostômetro e pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), revelam que o brasileiro trabalhou 151 dias em 2020 somente para pagar tributos, que somados equivalem a 41% do nosso salário. Dos dez países onde mais se trabalha para pagar impostos no mundo, o Brasil está na 9ª posição.

Mas, depois de um ano e meio de mandato, finalmente chegou ao Congresso Nacional a 1ª parte da proposta de reforma tributária do governo Bolsonaro, encabeçada pelo ministro Paulo Guedes, uma das bandeiras de campanhas durante as eleições em 2018. E o que propõe o governo? Unificação dos impostos. Para alguns especialistas foi uma proposta tímida que não ataca as distorções do sistema e que ainda traz muita incerteza. Porém, além de se compreender o conteúdo da reforma, é preciso avaliar o contexto e o impacto dessa mudança enquanto política pública no atual cenário para a população.

Considerando o contexto da pandemia, no qual houve drástica diminuição da produção e da circulação de riqueza no país e aumento da taxa de desemprego, é imprescindível que se discuta uma reforma. No entanto, como fazer isso por meio de um sistema deliberativo remoto no Congresso Nacional? Será possível retomar essa discussão de forma virtual ainda mais em ano eleitoral? Grande parte dos parlamentares, principalmente os líderes, acreditam que não dá para apreciar apenas de forma virtual. Com a saída recente do DEM e do MDB do bloco aliado do governo, o presidente ainda perde uma força necessária; ou seja, votos.

O que precisamos é de uma proposta que simplifique, facilite nosso entendimento e reduza a burocracia; seja transparente e justa, trazendo equidade e segurança jurídica. Mas, pensando na atual composição da base do governo, é bem possível que não alteremos muito o status quo, haja vista que os principais setores a serem beneficiados serão as famosas bancadas do boi (agronegócio), da bala (indústria armamentista) e da bíblia (tempos religiosos), além dos grandes empresários.

A matéria é muito complexa, requer um debate amplo, profundo e urgente. Mas alerto que, mesmo que seja feito de forma presencial pelos parlamentares, a sociedade civil ainda ficará apartada da participação direta na discussão e formulação de uma proposta que atenda os setores público, privado e, principalmente, o terceiro setor. E, em matérias como essa, a pressão e articulação fazem toda a diferença para que os pleitos sejam atendidos. Afinal, aqueles que fizerem maior pressão e convencimento conseguirão maior sucesso, nesse caso com isenções e menores alíquotas, reforçando ainda mais a desigualdade social escancarada pela pandemia, perpetuando o sistema injusto e caro para a maioria dos brasileiros.

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