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Medidas Provisórias, não tão provisórias assim

Congresso Nacional Misto Brasília

Congresso Nacional é a sede do Parlamento brasileiro/Arquivo

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Texto de Noemi Araújo

Uma Medida Provisória (MPV ou MP) é uma proposta com força de lei, assim que editada exclusivamente pelo presidente da República, como consta no artigo 62 da Constituição. Ela deve ser usada em caso de relevância e urgência e deve ser apreciada e aprovada pelo Congresso Nacional para ser incorporada definitivamente à legislação.

O Congresso tem o prazo de 60 dias, prorrogáveis por mais 60 (logo 120 dias), para apreciar tal medida, que tem um rito especial. Num contexto normal, ela chega ao Congresso sendo apreciada por uma comissão mista, formada por deputados e senadores, e depois segue direto aos Plenários da Câmara e, posteriormente, do Senado para sua votação, o que faz com que sua tramitação seja mais acelerada, justamente devido ao seu caráter de urgência. Ao longo de todo esse período, ela já está valendo como uma lei; mas, se não for aprovada em tempo perde sua eficácia (caduca). Além disso, o Parlamento pode promover modificações, situação em que a medida vai à sanção do presidente da República. Ele tem o poder de editar e de sancionar, validar o texto enviado pelos parlamentares.

Quem define se determinado assunto é urgente e relevante é o próprio presidente que, neste caso, tem o poder de legislar de forma imediata, em casos excepcionais. Considerando o atual estado de calamidade pública no Brasil, entendemos que estamos em um contexto excepcional que exige medidas céleres e menos burocráticas. E, graças a um a concessão de liminar pelo Supremo Tribunal Federal (STF) é possível que durante esse período o Congresso ainda pule a etapa da comissão mista e a MP siga direto aos Plenários.

No mês de abril, o portal do Senado Federal divulgou que um total de 26 medidas provisórias foram publicadas pelo governo Bolsonaro, um recorde para um único mês ao longo de 20 anos. Todos os textos, com exceção de um, se referiam à pandemia da Covid-19. Agora, ao final deste primeiro semestre, totalizam-se 75 medidas, sendo 12 (16%) referentes à crédito extraordinário para os ministérios (ao serem editadas, os recursos já são destinados, então não há apreciação).

A questão é que antes mesmo do Brasil conseguir controlar o número de casos e mortes decorrentes da Covid-19 e de ter uma perspectiva oficial de retorno presencial dos trabalhos do Congresso Nacional a fim de começar a apreciar outros assuntos importantes para o país, que não tratem exclusivamente de ações de combate à pandemia, novas MPs estão sendo diariamente editadas. Por exemplo: a “MP do Flamengo” – MP 984 -, que trata sobre direitos de transmissão de jogos de futebol (reflexo nítido da desavença entre Bolsonaro e TV Globo); como também, a recriação do Ministério da Comunicação (MP 980).

Enquanto isso, na sessão desta terça (04), a Medida Provisória nº 946/20 (de autoria do Presidente, como já vimos) foi aprovada pela Câmara, relatada no Senado Federal pelo líder do governo,  e ao retornar à Câmara para nova apreciação (devido à mudanças) foi retirada de pauta por orientação do governo e, por não ser apreciada em tempo, perderá sua validade. Uma medida que permitiria o saque do FGTS pelo trabalhador afetado pela atual crise econômica, em especial aqueles do setor aéreo, um dos principais afetados pela pandemia. Destaque também para a MP 927, que tratava de questões trabalhistas – home office, banco de horas negativo, antecipação e comunicação de férias – durante essa pandemia. Em vigor por três meses, não foi votada a tempo por falta de articulação do governo e perdeu sua eficácia, resultando insegurança jurídica para empregados e empregadores.

Faz sentido? Até agora, pelos menos 15 MPs (20%) já perderam a validade ou foram rejeitadas, o que representa desgaste político e trabalho em vão. O poder da canetada é irrisório e incoerente quando se define monocraticamente algo que é ‘relevante e urgente’, mas que não há empenho ou interesse suficiente das forças políticas para aprova-lo e fazer com que a validade desta ação ultrapasse mais de três meses; o que gera insegurança jurídica, ‘inflação legislativa’ e desorientação política, visto a perda de tempo e oportunidade. Algumas medidas que deveriam ser temporárias, poderão ter caráter permanente.

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