O ex-ministro da Saúde Nelson Teich prestou depoimento nesta quarta-feira (05) à CPI da Pandemia no Senado, que investiga as ações e omissões do governo federal no combate à Covid-19. Seu antecessor no cargo, Luiz Henrique Mandetta, já havia deposto por mais de sete horas no dia anterior, quando forneceu detalhes sobre a gestão do governo federal durante o início da epidemia de coronavírus no Brasil. Ele acusou o presidente Jair Bolsonaro de ignorar alertas científicos.
Teich, o segundo ministro da Saúde do governo Bolsonaro, explicou os motivos de sua curta permanência de 29 dias à frente da pasta, entre abril e maio de 2020, e as desavenças que houve entre ele e a cúpula do governo.
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Cloroquina e demissão – Médico oncologista, Teich disse que deixou o cargo de ministro da Saúde, em 15 de maio do ano passado, por não possuir autonomia suficiente para tomar as decisões que achava necessárias.
“As razões da minha saída do ministério são públicas, elas se devem basicamente à constatação de que eu não teria autonomia e liderança que imaginava indispensáveis ao exercício do cargo. Essa falta de autonomia ficou mais evidente em relação às divergências com o governo quanto à eficácia e extensão do uso do medicamento cloroquina para o tratamento da Covid-19”, afirmou.
“Existia um entendimento diferente por parte do presidente, que era amparado por outros profissionais. E isso foi o que motivou a minha saída […] O pedido específico foi por causa do pedido de ampliação do uso da cloroquina. Era um problema pontual, mas isso refletia numa falta de liderança.”
O relator da CPI, o senador Renan Calheiros, disse que as declarações de Teich reforçam a tese da existência de um “ministério paralelo”, ou “gabinete das sombras”, que elaboraria as diretrizes de saúde do governo.
Teich disse que deixou de considerar a aplicação da cloroquina após a Organização Mundial da Saúde (OMS) decidir que o medicamento não deveria ser utilizado no tratamento da covid-19.
“Naquela semana [da demissão] teve uma fala do presidente, na saída da Alvorada, que ele fala que o ministro tem que estar afinado e cita o meu nome. Na véspera, pelo que vi, teve uma reunião com empresários onde ele fala que o medicamento será expandido. À noite tem uma live, onde ele coloca que espera que no dia seguinte vá acontecer isso, que vai ter uma expansão do uso. E no dia seguinte eu peço a minha exoneração.”
Vacinas contra Covid-19 – O ex-ministro afirmou que sua gestão deu início à aquisição de vacinas contra Covid-19 para o país.
“No meu período ainda não tinha nenhuma vacina sendo comercializada, era o começo do processo da vacina. Foi quando eu trouxe o estudo da AstraZeneca para o estudo ser realizado no Brasil, para o Brasil ser um dos braços do estudo, na expectativa que a gente tivesse uma facilidade na compra futura.”
“Eu trouxe a vacina de Oxford, da AstraZeneca, para o Brasil, através dos estudos clínicos. Comecei abordagem com a empresa Moderna. Também fiz uma conversa inicial com a Janssen [empresa da Johnson & Johnson], para iniciar a fase de estudos também.”
Produção de cloroquina – Teich assegurou que a produção de cloroquina promovida pelo governo federal – um dos temas centrais das investigações da CPI – não chegou ao seu conhecimento enquanto estava no cargo. “A gente nem falava em cloroquina”, afirmou.
“Eu não participei disso. Se aconteceu alguma coisa [sobre a produção de cloroquina], foi fora do meu conhecimento. Ali eu tinha uma posição muito clara em relação não só à cloroquina, mas a qualquer medicamento. Não fui consultado.”
“É uma conduta que para mim, tecnicamente, era inadequada. Isso é para qualquer medicamento”, disse o ex-ministro.
Impacto de saúde na economia – O ex-ministro não concorda com a visão de que as medidas a serem adotadas em uma crise sanitária não devem afetar a economia. Desde o surgimento da doença, o presidente Jair Bolsonaro se posicionou contra a imposição de lockdowns e do distanciamento social.
“Economia e saúde não são coisas distintas. Quando você avalia o nível de saúde de uma sociedade, você tem coisas que são os determinantes sociais da saúde; tem economia, educação, onde a pessoa mora, uma série de coisas”, avaliou.
“O que aconteceu que eu achei que foi muito ruim, foi que a economia foi tratada como dinheiro e empresa, e a saúde como vidas, sofrimento e morte. Mas na verdade tudo é gente. Quando você fala de economia não está falando de empresa, de emprego. Está falando de gente.”
“Imunidade de rebanho é um erro” – Teich ressaltou que a imunidade ao coronavírus somente pode ser adquirida através da vacina e classificou como errada a teoria da imunidade de rebanho.
Alguns senadores acreditam que o governo federal teria negligenciado o combate à doença por ter apostado na imunidade de rebanho.
“Isso nunca foi discutido, nunca foi colocado como uma estratégia. Isso eu posso garantir”, disse Teich.
Indicação de Pazuello – O ex-ministro reconheceu que foi o presidente Bolsonaro quem indicou o general Eduardo Pazuello para assumir a secretaria-executiva da pasta, em abril de 2020. Mas Teich disse ter conversado com o militar e tido a palavra final na nomeação. Ele achou que Pazuello “poderia ajudar” na questão logística.
“Ele [Pazuello] foi indicado pelo presidente. Eu conversei com ele, ouvi o que ele tinha para falar, da experiência dele e me pareceu que, naquele momento, quando eu precisava ter uma agilidade muito grande na parte de distribuição, me pareceu que ele poderia atuar bem”, afirmou Teich.
“Nós trabalhamos juntos ali ao longo do período, eu definia as coisas que deveriam ser feitas e ele ia executando o que eu falava. Quem definia era eu. Quem trabalhava a estratégia era eu.”
Após Teich deixar o cargo, Pazuello acabou assumindo o comando do Ministério da Saúde, primeiro de forma interina e, depois, definitiva. A gestão do general, que terminou em março deste ano, foi marcada por recordes sucessivos de mortes e casos de Covid-19, além de falhas graves no programa nacional de vacinação.
Pazuello deveria depor na CPI da Pandemia presencialmente nesta semana, mas disse ter entrado em contato com pessoas infectadas pelo vírus e cancelou sua ida ao Senado. A comissão adiou seu depoimento para 19 de maio.
Nesta quarta-feira, a CPI aprovou a convocação do ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo e do ex-secretário de Comunicação da Presidência Fabio Wajngarten. O depoimento de Araújo está marcado para esta quinta-feira, e o de Wanjgarten será em 11 de maio.