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O mundo pós-covid será outro

Pessoas aglomeração pandemia

Levantamento sobre os nascimentos e mortes no Brasil foi divulgado hoje/Arquivo

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Texto de Gero Schliess

“Quem sou eu, se sou igual a tantos outros?” Com essa pergunta um tanto enigmática, certa vez o filósofo pop alemão Richard David Precht convidou seus leitores a uma viagem de exploração para dentro de si mesmos.

No momento muitos se colocam exatamente essa questão, ao finalmente verem luz no fim do túnel, após de meses de confinamento, o anúncio de uma época pós-coronavírus. A luz da normalidade, a expectativa de um despreocupado verão europeu, como tanto se desejou durante o longo período de distanciamento e e paralisação.

No entanto, cabe parar por um momento e se perguntar, duvidoso: ainda sou aquele de antigamente, de antes da pandemia de Covid-19? Até que ponto me tornei um outro? E como vou me arranjar nesse novo velho mundo?

De peito inflado de orgulho, a política anuncia taxas de incidência cada vez menores. Na Alemanha, parece que conseguimos controlar o vírus Sars-Cov-2 – um motivo de alegria não só para a chanceler federal, Angela Merkel, e o ministro da Saúde, Jens Spahn.

Contudo, para além das cifras anônimas, muitas vezes se esquece o indivíduo. No que diz respeito a nós mesmos, a cada ser humano, não é raro que à queda da curva de incidência se contraponha um aumento das apreensões e temores.

A saída do estado de emergência tampouco é fácil – Pois uma coisa é clara: assim como o caminho através da pandemia foi pedregoso e atormentado, o caminho para fora está longe de ser plano e tranquilo.

Isso não se aplica apenas aos seriamente abalados pacientes de uma covid-19 prolongada, ou ao grande grupo dos recuperados que agora de debatem com ansiedade patológica e oscilações de ânimo anormalmente fortes, como revelou um estudo britânico publicado na revista The Lancet Psychiatry. E tampouco se aplica só às não computadas vítimas de violência doméstica ou que sofrem de outros traumas.

E, por exemplo, as crianças que há meses estão privadas de aulas presenciais e da companhia dos amigos de escola? Ou, bem simplesmente: e nós, que pensamos ter atravessado bastante bem o tempo de isolamento e solidão?

E nós, que até certo ponto nos beneficiamos do ritmo mais lento, que trabalhamos diligentes no home-office, mas que também apreciamos a oportunidade de estar sós? E que renunciamos com muito gosto à loucura do business hiperintenso e dos excessos de ambição profissional?

Também para esses, o caminho para fora da pandemia não é plano. Estudos científicos e dados dos seguros de saúde comprovam que a pandemia afetou muitos psiquicamente. Uma maior tendência à depressão é um fenômeno difundido: ela permanece, não desaparece automaticamente junto com o coronavírus.

Business as usual, não! – Nesse contexto, não é aceitável o prazo de espera para uma psicoterapia ambulante na Alemanha estar se alargando cada vez mais e, segundo dados da associação nacional dos psicoterapeutas, os pacientes dos planos de saúde terem que esperar 22 semanas por uma consulta.

Infelizmente a política não agiu de maneira previdente para ampliar as ofertas de acompanhamento psicológico. Assim como nas demais grandes instituições, nota-se a tendência para um acelerado e insensível “business as usual”. Um bom exemplo desse descaso é a brutal chamada de certos empresários para que seus funcionários façam o favor de deixar o home-office e retornem o mais breve possível aos escritórios das firmas.

O empregado, que até há pouco era louvado por sua flexibilidade, esfrega os olhos, incrédulo. E com ele, também todos que constataram que pós-covid não é simplesmente igual a pré-covid: não só nós mudamos, também o mundo à nossa volta.

A reconfiguração do mundo do trabalho, as bênçãos da comunicação digital ou o retorno ao âmbito de atuação regional não devem ser degradados a sacrifícios emergenciais ditados pela pandemia, mas sim tornar-se parte de uma reconfiguração do nosso entorno e de uma redefinição da nossa vida.

Comecemos com isso: deixemo-nos inspirar pelo encontro com a nova realidade. Caso contrário, terão sido em vão todos os sacrifícios na luta contra o coronavírus.

(Gero Schliess é jornalista e trabalha na agência DW)

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