Os dias podem ser outros, mas a resistência permanece, seja pelo mau uso do dinheiro público ou pela a carga excessiva
Por Charles Machado – SC
O redesenho de um novo sistema tributário, com muitos que pouco pagam reclamando e procurando manter benefícios e privilégios, sem entender que uma carga menor sempre será resultado de um sistema isonômico, onde a carga não seja medida pela força do lobby mas resultado de uma estratégia de Estado, me leva a um debate histórico.
O Império Romano não foi sucedido por outro grande império, mas pela perda das suas diversas regiões, cada uma por frentes de lutas distintas.
Na Roma antiga, todo império era sustentado por algumas fontes tributárias, notadamente por dois impostos primários.
O tributum Capitis, que era um imposto individual pago por pessoa com idade de 12 a 65 anos.
E o tributum soli, um tributo incidente sobre o patrimônio, notadamente terras, florestas, plantações, independentemente da produtividade da terra ou não, bem como embarcações, escravos, animais e outras propriedades móveis.
Esse tinha uma alíquota de 1%, logo, a propriedade precisava ser ativa, o que acabava fomentando o comércio, que sofria uma tributação menor, incidente sobre poucos produtos.
A maior parte dos tributos ia para o Governo Central de Roma, tendo ainda as províncias seus próprios tributos, que visavam cobrir essas estruturas administrativas, além do resultado de saques efetuados pelas invasões Romanas. Qanto maior era o império, maior ficava o custo dele.
O império Romano chegou a ter um exército de 650 mil homens e quanto mais longe ele ficava, mais caro era essa estrutura.
Graças a essa necessidade crescente de caixa, agricultores abandonavam terras pouco produtivas e novos tributos iam sendo criados, qualquer semelhança com os tempos atuais, não é mera coincidência.
Novos tributos, censo e a resistência
Como o patrimônio das pessoas crescia pouco, os imperadores começaram a prestar mais atenção nos tributos incidentes sobre o comércio, (mais uma coincidência), quando o novo IBS, é a melhor representação da tributação sobre o consumo, nada mais justo.
Foi nesse período que Tibério, em busca de maior renda tributária, ordenou que cada homem do império levasse sua esposa e filhos para a comunidade de nascimento, para efetuar um novo censo, Seria cobrado um imposto individual, aumentando-se assim a base de arrecadação.
Foi aí que conforme narram os evangelhos, que José de Nazaré, retornou à sua cidade natal, Belém, com sua esposa, Maria, que deu à luz, Jesus, em um estábulo.
Esse episódio, também é narrado na obra de Jack Weatherford, “A História do Dinheiro”, pág. 57. Na mesma obra, é narrada a versão que as pessoas tinham pelos coletores fiscais, inclusive as discussões sobre se os seguidores de Cristo deveriam ou não pagar tributos. Seria isso o embrião das imunidades religiosas?
O pleito dos fiéis foi liquidado na passagem do Evangelho, Lucas 20:25, quando Jesus deu fim a essa polêmica de maneira afirmativa, mostrando aos seus seguidores uma moeda que levava o retrato do imperador e instruindo-os a “daí a César o que é de César e a Deus o que pertence a Deus”. Para muitos, a resistência aos tributos e a majoração dos mesmos, alimentava novos movimentos que resistissem ao Estado vigente.
Os dias podem ser outros, mas a resistência permanece, seja pelo mau uso do dinheiro público através de poucas obras e serviços de baixa qualidade, ou simplesmente porque a carga já se demonstra excessiva além do limite.
A vida em sociedade implica em acompanhar costumes e respeitar a ordem estabelecida. O respeito quase sempre, é uma medida direta da relação de poder exercida entre Estado e cidadão, ou um reflexo da consciência social e maturidade do cidadão frente às regras estabelecidas por meio de nosso contrato social. Os tributos e sua impositividade pelo Estado (União, Estados e Municípios) são sempre gravados e agravados pela mais absoluta rejeição social.
Eu nunca encontrei alguém feliz em pagar tributos, até encontrei quem assim o dissesse, mas em todo depoimento, sempre achei que existia uma distância muito grande entre a intenção e o gesto, e logo, acabava não me convencendo das frases retóricas a esse respeito.
Essa relação entre o tributo, leia-se sujeito ativo (que tem a capacidade impositiva) e o sujeito passivo (contribuinte), é sempre marcada por tensão.
E conforme surgem as novas e maiores necessidades de caixa essa relação vai do ódio ao litígio, quando não passa por condutas sociais menos honrosas, deixando curiosos e profundos traços na história da humanidade.
Política distributiva e a nova proposta reformista
A complexidade da economia dos tempos atuais, torna a tarefa de fazer uma reforma tributária que simplifique o sistema e que onere menos à maior parte dos contribuintes e seja justa com os mais pobres, uma tarefa pra lá de complexa.
Um dos mecanismos da proposta que vai se consolidando é uma espécie de “cashback tributário”, ou seja uma proposta de devolução de parte do imposto pago pelo contribuinte de baixa renda.
O que certamente é uma ótima forma de se fazer política distributiva, pois o benefício atinge as pessoas e não os produtos, algo bem distinto, de quando eu desonero por exemplo um produto como o arroz, onde todos comem e logo todos se beneficiam dessa redução de alíquota ou isenção, com isso (da maneira que é feito hoje) a renúncia fiscal privilegia todos independentemente da classe social.
De acordo com a proposta de reforma tributária as isenções deixam de existir por produtos, ainda que a possibilidade negociada do congresso de três ou cinco alíquotas ainda exista, o que, ao meu ver distorce a proposta de simplificação.
Lembro que a origem da proposta de reforma, com a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) surgiu para tributar uniformemente o consumo, afinal entendemos que não cabe ao governo a sabedoria de definir o que o pobre deve ou não consumir, pois estaríamos aí diante de uma flagrante discricionariedade de classe e escolha de consumo.
Como recapitulação história, os IVAs que se desenvolveram a partir dos anos 60 não conseguiram se livrar totalmente do velho hábito de alíquotas múltiplas. Assim foi no Brasil como em outros países.
A ambivalência em relação à modernidade se reflete na constituição de 1988, que diz que o ICMS “poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços” (art. 155, § 2º, III – destaque acrescentado). Os primeiros IVAs (geração 1.0) têm via de regra múltiplas alíquotas.”
Logo a proposta de uma alíquota uniforme favorece a arrecadação, vai ao encontro da simplificação da máquina fiscal e das relações fisco contribuinte.
Em todo mundo a principal função de um moderno tributo sobre o consumo é arrecadar, e a extrafiscalidade deve e precisa ser feita por outros instrumentos legais e ou tributos que tenham outra natureza para aferição da capacidade contributiva do contribuinte, como no caso do Imposto de Renda.
Na Roma antiga, quem não atendesse ao recenseamento tributário pagava com a morte, hoje no estado de Direito, o contribuinte pode abrir uma discussão, sobre as exações. Ufa!