A transformação digital do seu negócio é também a transformação da sua vida e das suas rotinas, por mais simples que elas possam ser
Por Charles Machado – SC
O processo de transformação digital de um negócio é e sempre será um processo cultural. Desde o entendimento da necessidade de mudança até a definição do caminho e a incorporação das mudanças constantes como rotinas.
Invariavelmente, uma revolução tecnológica pode definir um novo modo de produção. Tomemos por exemplo a incorporação dos carros a nossa rotina, pois no século XVII, os meios usuais de transporte urbano eram o cavalo, o burro, as charretes e as carruagens, geralmente puxadas por cavalos e trens que se popularizaram no Século XIX.
Em 1908, quando Ford iniciou a produção de seu Modelo T, em Detroit, Michigan, ele não apenas transformou o modo de locomoção e mobilidade urbana e rural, mas deu início a uma nova era do petróleo, da produção em massa, e, claro, de automóveis como meio de conduzir alguém de um lugar a outro.
Produto que se manteve, mesmo mais de cem anos depois, como o meio mais popular de transporte, com mais de um bilhão de unidades comercializadas até hoje.
Em razão dos veículos, inúmeras fabricas de autopeças surgiram, conglomerados para exploração do petróleo, redes de distribuição de combustíveis, estradas foram construídas e melhoradas, tudo mudou.
Desde os imóveis que foram redesenhados com garagens, até a necessidade de novos marcos regulatórios como as regras de trânsito, o mesmo que vamos ver agora com a substituição desses bólidos à combustão sendo substituídos por veículos eletrificados, e logo em breve por veículos autônomos, uma transformação que muda todo um ecossistema.
No primeiro momento tivemos então uma mudança de paradigma (uma palavra que vem do grego paradeiknumi, que significa “pôr em relação a outro; em paralelo mostrar, apresentar ou confrontar algo). O paradigma é a representação de um modelo a ser seguido e define o normal, ou seja, o modelo comum e geralmente aceito.
É do conceito de paradigma que nasce a percepção de ruptura radical, o que de fato constitui a mudança daquilo que era normal e que deixou de ser, algo como um “novo normal”, como alguns se referem habitualmente. Mas se o normal mudou e deixou de ser, é preciso que exista uma nova maneira de enxergar, de fazer, de usar, de proceder etc. O novo normal muda radicalmente e a resistência inicial às mudanças também se dissipa de forma rápida e seu custo cai radicalmente.
Schumpeter, que foi o grande intelectual do tema da inovação, entendia a inovação como resultado do acesso a novas matérias-primas ou ao fato de novas tecnologias estarem mais disponíveis no sentido de custo econômico.
Por vezes negócios simples são modificados de fora pra dentro, sem que o próprio dono se dar conta que a transformação digital alterou o negócio dele. Um bom exemplo são os bares e restaurantes que modificaram por completo o seu serviço de tele-entrega através de plataformas como IFood e Uber Eats.
O negócio criado por essas plataformas fez com que os horários e a forma de produzir refeição fosse modificada, alteraram-se regras trabalhistas e de condomínio.
Sim, pois a construção civil vem se adaptando para que seus prédios tenham áreas exclusivas para receber a entrega desses produtos. E essa mudança ocorre quando oferta algum benefício ou muitos benefícios. Logo, a transformação digital do seu negócio estará sempre com esse requisito, uma mudança que afete todos os envolvidos na operação.
Afinal, não é na gênese de uma ideia nova que se dá a revolução tecnológica. Acontece quando seu custo é baixo o suficiente para que a produção ganhe em escala e escopo. E ela seja incorporada pelos que dela se beneficiam.
Produtos, serviços e a guerra dos chips
A história dos negócios está recheada de exemplo de produtos e serviços que poderiam melhorar a nossa vida, mas que naufragaram por falta de uma boa comunicação, de resiliência ou de capital para aguardar o amadurecimento dela.
O capital, a reserva dele para que algo dê certo, é fundamental. Como destaca Schumpeter, a relação entre o empreendedor e o financista foi pouco explorada e aprofundada. Claro, sem capital–e crédito–não pode haver a “popularização” dos novos paradigmas como processos ou produtos ou qualquer outra construção humana.
Por vezes a revolução é silenciosa.
Vejamos como exemplo a entrada da Apple no segmento de smartphones, incorporando o conceito de plataforma com a maior loja do mundo de softwares para serem postos nos seus aparelhos.
Lembro que muitos consideram a invenção do iPhone (da Apple, Inc.) como uma ruptura com o passado, que deu margem ao smartphone, como nós o conhecemos hoje. No entanto, sem o microprocessador da Intel, lançado em novembro de 1973, em Santa Clara, Califórnia, por Bob Noyce e Gordon Moore, produzido com silício – possibilitou o armazenamento e o processamento de informação e de dados -, não existiriam os atuais iPhones.
Os microprocessadores são considerados por muitos como a “quinta revolução” da humanidade.
A primeira foi a Revolução Industrial, alavancada pelo tear mecânico de Arkwright, Cromford Mill. A seguir, vêm a era das ferrovias, a era da eletricidade etc. E, como consequência desses movimentos, nasce uma revolução da informação.
Claro que outras classificações podem ser feitas, mas fique atento a atual guerra dos chips, na disputa por sua hegemonia, envolvendo os EUA, a China e Taiwan. Um novo capítulo onde a capacidade de processamento de grandes informações se traduz em diferencial competitivo.
Algumas das características fundamentais das revoluções tecnológicas podem ser assim descritas. Primeiro, tem-se a redução de custos de transação ou produção em qualquer das revoluções existentes.
O custo do fenômeno do processo de quebra do paradigma anterior cai dramaticamente. Quando os custos caem, há maior lucro para o empreendedor, evidentemente, mas também há maior volume, já que a demanda cresce.
O fato de os custos se reduzirem faz com que novos entrantes e novos competidores se animem a produzir, decorrendo daí, naturalmente, um ciclo virtuoso de expansão. A redução dos custos não é instantânea. Por exemplo, o petróleo já existia antes de 1908 e muitos aparelhos elétricos como o rádio e o próprio aparelho de televisão já haviam sido lançados bem antes de 1973.
Entretanto, somente quando o automóvel ou o microprocessador realmente romperam a barreira econômica com menores custos, é que a revolução tecnológica pôde se instalar plenamente.
Um segundo e fundamental aspecto em relação à revolução tecnológica diz respeito à infraestrutura existente. Por exemplo, no caso dos automóveis, para a revolução existir, foi preciso construir autoestradas, rodovias, postos de combustível e criar todos os serviços de apoio.
Em terceiro, quando tratamos do paradigma do novo e do generalizado sentido daquilo que muda e que, de gradualmente incerto, passa a se transferir para as práticas sociais, para o campo institucional e mesmo para a própria legislação como fonte de direito geralmente aceito, não há como não realinhar os interesses econômicos, sociais e culturais.
Logo, a transformação digital do seu negócio é também a transformação da sua vida e das suas rotinas, por mais simples que elas possam ser, não existe revolução sem mudança cultural.