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Compliance nos benefícios fiscais. Os contribuintes estão preparados?

Compliance no ambiente corporativo

É fundamental compreender o significado e a abrangência do Compliance/Arquivo/Suno Research

Esses “quase invisíveis” benefícios exigem requisitos legais e são justamente esses requisitos quem vinham sendo pouco fiscalizados

Por Charles Machado – DF

Se o fim do ano de 2023 foi utilizado pela Receita Federal para colocar foco nos chamados gigantes “jabutis tributários”, esse início de 2024 será de passar um pente fino nos atuais benefícios fiscais federais concedidos pela legislação Federal.

Para se ter uma ideia, os atuais benefícios que implicam em redução dos tributos federais a pagar são cerca de 200,. Por serem “pequenos” quando vistos de forma individual e isolada, acabam sendo concedidos de forma automática, sem um olhar mais apurado do fisco.

A soma desses benefícios, são renúncias fiscais das mais diversas e para os mais diversos seguimentos, é elevada. Se isolados e individualizados, eles ficam na casa de dezenas e centenas de milhões quando juntos impactam em alguns bilhões na renúncia tributária.

A concessão desses benefícios, em sua maioria realizada quase que de forma automática por lançamento do contribuinte, fez ao passar de décadas que a fiscalização na fruição e direito dos mesmos, fosse pouco fiscalizada, o que em tempo de caixa curto resulta em mais uma oportunidade para colocar as contas em dia.

Esses “quase invisíveis” benefícios exigem requisitos legais para o seu benefício e são justamente esses requisitos quem vinham sendo pouco fiscalizados.

Isso representa uma necessidade urgente por parte das empresas de cerificarem as suas reais condições de beneficiárias, o que implica dizer que no curto prazo podem surgir passivos fiscais nas empresas, na utilização indevida desses benefícios. Claro que velhos costumes acabam levando ao afrouxamento das regras de compliance de uma empresa, visto que isso não poderia ocorrer tamanho o risco que implica ao contribuinte.

Invariavelmente quando incorporados na rotina, por parte da empresa, da sua fruição, o rigor no uso desses benefícios acaba fazendo com que a empresa relaxe, e é justamente na soma desses dois itens (fiscalização relaxada + uso do benefício de forma costumeira) que acaba por resultar muitas vezes em um passivo oculto.

A falta de controle desses benefícios é tamanha, que se pretende criar um projeto de lei, que já foi enviado ao Congresso, onde se prevê que as empresas serão obrigadas a preencher uma declaração eletrônica listando todos os incentivos que possuem. A partir daí, o Fisco pretende identificar as companhias em situação irregular, ou seja, que usufruem dos benefícios sem ter direito, e fazer, então, a exclusão.

Essa proposta é por si só absurda, visto que os mesmos diplomas normativos que criaram esses benefícios também criaram as condições para a sua fruição e manutenção, e logo o seu não cumprimento já faria com que as empresas já tivesses dele excluída, sem a necessidade de se instituir por Lei mais uma obrigação.

Claro, que historicamente, muitos desses benefícios são aprovados no Congresso Nacional sem nenhum tipo de possibilidade de controle, porque eles são de autofruição (não tem pré-requisitos), o que também é uma verdade, ainda que não seja necessário nova Lei para esse controle, visto que está aí o papel dos decretos e outros instrumentos legais na sua regulamentação.

O que se alega é que da maneira atual, em muitos desses benefícios o poder público perde a governança, o que entendemos também não exige nova Lei.

Afinal na medida em que uma Lei concede benefício, a norma introduziu uma condição para sua concessão, e se o contribuinte se utiliza dessa norma de forma indevida impactando no valor do tributo a pagar, a diferença desse tributo pode ser notificada com as devidas obrigações acessórias decorrentes dessa diferença, resultando em tributo, multa e juros, e convenhamos, para isso não precisa de nova Lei, que quase sempre cria mais confusão.

Ainda que no entender da Receita, esse formulário seja de “fácil preenchimento”, sem necessidade de envio de documentação, ele acaba sendo mais uma obrigação, o que não retira o contribuinte do dever de e estar em dia com as obrigações criadas no momento da concessão do benefício.

Porém a ideia é justamente através dessa nova obrigação provocar a Receita a se manifestar se ele tem ou não direito a fruição do benefício, o que vai criar uma nova situação, ou seja qual seria a natureza dessa obrigação, seria ela declaração e consulta fiscal? E como seriam os casos pretéritos? Seria fixado um prazo para regularização? Para o caso de contribuintes que utilizaram desses benefícios por anos eles seriam lançados preteritamente com ou sem multa e ou juros?

Vejamos um exemplo prático: Se uma empresa foi condenada pela Lei de Improbidade, ela não poderá fazer uso desses benefícios, e desde quando isso ocorreria, da decisão final, ou do início do processo? Ou do início dos fatos que implicaram na sua declaração de improbidade? O mesmo vale para outros impedimentos, como à Lei Anticorrupção ou a legislações ambientais. Se estiver usufruindo do benefício indevidamente, o contribuinte estará sujeito a punições, além da exclusão do regime diferenciado, mas isso já ocorre hoje sem a necessidade de uma declaração.

Claro que um melhor entendimento da renúncia, implica em uma análise de dados que resulte por sua vez em enxergar melhor o tamanho da renúncia, quem está sendo beneficiado por esses incentivos, os seus valores e se os objetivos da política pública de renúncia e extrafiscalidade estão sendo atingidos.

A declaração, enquanto nova obrigação, mais parece um freio de arrumação nas “micro renúncias” onde se perdeu o total controle, resultado desse nosso cipoal tributário.

Outro propósito na criação dessa declaração, seria auxiliar o governo na tarefa de reduzir esses benefícios, como previsto na Magna Carta, isto que desde 2021, o Congresso aprovou uma emenda que estabelece que, até 2029, o custo dessas medidas terá de ficar limitado a 2% do PIB, sendo que atualmente, a estimativa é de que correspondam a 4,5% do PIB.

Em outras palavras, não será apenas o pente fino, mas o fim de muitos desses benefícios, que terminariam como uma das resultantes da reforma tributária.

A ideia, seria incluir a análise dos benefícios fiscais de forma progressiva, o que eu também não entendo o sentido, visto que as obrigações já existem.

Porém já se adianta que provavelmente os incentivos ligados ao Imposto de Renda da Pessoa Física, a título de exemplo, não entrariam no curto prazo, já que serão alvo de uma proposta de reforma que deve ser enviada pelo governo ao Congresso até o fim de março.

O projeto inova, pois além da revisão dos benefícios fiscais, ele pretende estabelecer novas diretrizes aos programas de conformidade, para premiar os bons pagadores de impostos. Entre as recompensas previstas a esses contribuintes, estão a redução progressiva no pagamento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), de até 3%, e a possibilidade de autorregulação em um prazo de 60 dias. Há também vedação de arrolamento de bens e preferência em licitações.

O projeto tem muitos aspectos para serem discutidos, o que será assunto para novos artigos, mas reforço que independentemente do projeto, o contribuinte precisa passar um pente fino na fruição dos seus benefícios, para não ser surpreendido por uma autuação fiscal.

O compliance só funciona quando incorporado a cultura da empresa, sem a necessidade de ser estimulado por um novo risco.

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