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Desinformação e fake news na tragédia do Rio Grande do Sul

Militar da Marinha presta assistência no Rio Grande do Sul/Arquivo/Divulgação/Marinha

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Para os especialistas, é um fenômeno político alimentado pela direita com objetivos eleitorais em outubro

Por Misto Brasil – DF

Em meio ao desastre climático no Rio Grande do Sul, aumentou a disseminação de desinformação sobre as enchentes por influenciadores e parlamentares de extrema direita, cujas postagens nas redes sociais estão sob investigação da Polícia Federal.

Nas publicações, eles exaltam o trabalho de voluntários e atacam a ação de governos e Forças Armadas.

“A desinformação no Brasil é um fenômeno político. Dependendo da ideologia que a pessoa segue, escolhe certas fontes. A mediação dos algoritmos sugere outros conteúdos e outras pessoas para seguir nessa linha”.

“Então, cai no buraco de uma teoria da conspiração ou desinformação não por ignorância, mas pelos seus valores”, analisa o professor de sociologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Yurij Castelfranchi. A catástrofe ambiental, diz, agravou esse fenômeno.

Castelfranchi é coautor de uma pesquisa recém-lançada que avaliou o consumo de informações pelos brasileiros.

O estudo, produzido pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, constatou que o meio ambiente e as mudanças climáticas estão entre os temas de maior interesse do público (76,2%).

Metade dos entrevistados disse já ter se deparado com fake news, e 9% admitiram compartilhar esses conteúdos mesmo sabendo disso.

Desinformação para propagar visão “anti-Estado”

Segundo especialistas, catástrofes climáticas como a enfrentada pelo Rio Grande do Sul favorecem a circulação de desinformação, propagada por perfis alinhados à extrema direita.

“Pegam no imaginário de uma população extremamente carente, que já tem péssimas experiências com o setor público e que vai acreditar que há essa sabotagem do Estado. Isso cria uma má vontade em relação ao trabalho da polícia, do Exército, e fortalece os amadores e influenciadores”, explica Fabrício Pontin, professor de Relações Internacionais da Universidade LaSalle, de Canoas (RS), região atingida pelas chuvas.

O aumento na disseminação de fake news sobre a tragédia climática foi constatado pelo grupo de pesquisa da USP Monitor Político, que analisa a polarização do debate político.

Em nota técnica, eles apontam que “a profusão de mensagens indicava que o fenômeno era muito significativo”, com praticamente uma em cada três mensagens publicadas no X (antigo Twitter) adotando um tom “anti-Estado”.

Resgate enchente Rio Grande do Sul Misto Brasil
Milhares de pessoas criaram e compartilharam mentiras durante a tragédia gaúcha/Divulgação/Marinha

Antagonismo entre voluntários e governo

Entre as postagens falsas compartilhadas estão a que relatava que a entrada de caminhões com doações para as vítimas tinha sido barrada pela Receita Federal e que voluntários em barcos e helicópteros foram impedidos de realizar resgates.

Outra dizia que a cantora Madonna doou R$ 10 milhões às vítimas. Em comum, as publicações exaltam a solidariedade de voluntários em oposição a uma suposta falência do Estado.

Outra notícia falsa de alcance local alega que pessoas com uniforme do Departamento Municipal de Águas e Esgoto (Dmae) de Porto Alegre estão assaltando casas. Como resultado, moradores passaram a barrar os servidores públicos.

“As consequências políticas desse tipo de disseminação são enormes, são danosas, podem custar vidas. Estamos gastando o dobro de energia para alertar sobre notícias falsas ao invés de orientar as pessoas sobre como devem deixar suas casas”, alerta Pontin.

Para especialistas, a mobilização da desinformação sobre a tragédia climática pela extrema direita é uma estratégia para ganhar espaço nas eleições municipais de outubro.

Essa tendência de compartilhamento organizado de notícias falsas é observada no Brasil desde 2016, e se intensificou nas campanhas eleitorais.

Doutor em comunicação e professor da Universidade do Rio dos Sinos (Unisinos), Christian Gonzatti explica que a performance digital dos políticos visa manter o eleitorado engajado.

“Precisam desse diálogo com o público para ter poder. Apelam à ideia de um perigo que precisa ser denunciado para ganhar visibilidade e depois convertê-la em outras formas de poder”.

Por que as plataformas alimentam essa dinâmica

Segundo Gonzatti, a própria arquitetura da informação das redes sociais favorece a circulação de notícias falsas.

“As redes são construídas para manter os usuários o máximo de tempo possível consumindo conteúdo em sequência. Por isso não vão confrontá-las na sua visão de mundo, porque precisam desse ambiente que prende a atenção. Isso dá retorno financeiro para as plataformas”, afirma.

Pontin explica que a reprodução de fake news em grupos de mensagem ajuda a manter os participantes coesos.

“Quando o conteúdo começa a se propagar e viralizar dentro dessas comunidades, a opinião se consolida. E isso tem consequências enormes, pois se isso se dá em cima de uma notícia falsa, fica muito difícil reverter isso.”

Ele aponta que a disseminação de notícias falsas, além de estratégia política, é também um modelo de negócios.

“As plataformas recompensam a atenção, só que não fazem distinção entre atenção ruim e boa. O conteúdo que gera atenção é recompensado, e as plataformas o mantém em circulação. Por mais que tentem fazer uma checagem, algumas com maior ou menor boa vontade, há um incentivo para que produtores façam esse tipo de conteúdo e recebam valores por isso.”

(Reportagem e texto da DW)

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