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Dia Internacional da Mulher e o estado de coisas inconstitucional

Grafitti Mulheres DF Misto Brasília

Atividade das mulheres grafiteiras em Samambaia/Arquivo/Divulgação

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Se na esfera privada as mulheres estão sofrendo violência de todo tipo, na esfera pública ainda temos uma baixíssima representação de mulheres

Por Clarice Binda – MA

Em mais um Dia Internacional da Mulher, 08 de março de 2025, fez-se inúmeras reflexões sobre como os direitos das mulheres estão sendo concretizados (ou não). Em que pese alguns avanços ao longo das décadas, não se pode olvidar que vivemos também graves retrocessos.

A história não anda só para frente, infelizmente.

E em alguns momentos, parecemos dar 1 passo para frente para dar 3 para trás. É o que ocorre hoje em dia com as mulheres brasileiras.

Sem soar pessimista, mas sendo realista sem romantismo para falar do dia das mulheres, temos inúmeros dados que mostram ainda a desvalorização da mulher em todos os espaços, públicos e privados. E o pior, os números são crescentes nesse cenário de violação de direitos fundamentais das mulheres.

Um exemplo disso é que o Brasil ficou em 70º lugar entre 148 países no Índice Global de Paridade de Gênero, do Fórum Econômico Mundial, tendo caído 13 posições entre 2023 e 2024.

Nesse índice, é medido se o orçamento federal é planejado e distribuído de forma a reduzir desigualdades de gênero. A OCDE recomenda que os países adotem um orçamento de gênero a fim de que a inclusão da igualdade de gênero de um país esteja no planejamento e na execução do orçamento público.

Relatórios e números tristes

O relatório Elas Vivem: um caminho de luta, da Rede de Observatórios da Segurança, publicado ontem, mostra que a cada 24 horas, 13 mulheres foram vítimas de violência em 2024, com aumento de 12,4% de vítimas em 2024 em relação a 2023.

O Maranhão teve o aumento mais alarmante, de 87,1%, passando de 195 para 365 casos de violência contra a mulher por ano. Na 5ª edição do relatório Visível e Invisível, de 2025, realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, quase 40% das mulheres brasileiras sofreram algum tipo de violência.

Mais uma vez, esses foram os maiores níveis de vitimização das mulheres, que começou com 28,6% de mulheres que já sofreram violência em 2017, para 37,5% em 2025.

A Organização das Nações Unidas (ONU Mulheres) publicou, no último dia 06, um relatório que relata retrocessos nos direitos das mulheres. Segundo o relatório, desde 2022, os casos de violência sexual aumentaram 50%. Mulheres e meninas representaram 95% das vítimas desses crimes.

Se na esfera privada as mulheres estão sofrendo violência de todo tipo, na esfera pública ainda temos uma baixíssima representação de mulheres nos espaços, o que também se mostra uma forma de violência. E o que é pior, uma crescente subrepresentação feminina é notória nos órgãos e poderes públicos.

Desde 2002, a ONU celebra o dia 10 de março como o dia internacional das juízas. A data foi instituída durante a 15ª Conferência Bianual da Associação Internacional de Mulheres Juízas, realizada em março de 2021, para promover a participação plena e igualitária das mulheres em todos os níveis do Poder Judiciário. No entanto, o Brasil está longe de cumprir tal participação.

Protesto mulheres 8 de março Misto Brasília
O empoderamento da mulher deve ser uma conquista diária/Arquivo/El País

Baixa representação no Judiciário

Além de o Poder Judiciário brasileiro ser composto, predominantemente, por magistrados, possuindo 38% de juízas mulheres em atividade, conforme diagnóstico do Conselho Nacional de Justiça, nas altas cortes de justiça do país, sejam tribunais de 2ª instância sejam tribunais superiores, a presença de mulheres é ínfima.

Com apenas uma mulher ministra no Supremo Tribunal Federal (STF), dentre 11 ministros, e apenas cinco mulheres das 33 cadeiras do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a participação feminina nesses tribunais não só tem se mantido estável, como tem sido diminuída a participação de mulheres nos espaços de decisão do Poder Judiciário.

Isso porque, até a aposentadoria da ministra Rosa Weber do STF em 2023, tínhamos duas mulheres na mais alta corte de justiça do país, e com a aposentadoria das duas ministras do STJ, Assuste Magalhães e Laurita Vaz, as vagas ainda não foram preenchidas. Ou seja, não se sabe se haverá diminuição da representação feminina na segunda maior corte de justiça do país.

Como se sabe, a presença de mulheres nas cortes de justiça é essencial para garantir que os tribunais representem de forma mais ampla a sociedade, aumentando a sua legitimidade, além de entregar a justiça com todas as visões de uma sociedade plural e democrática.

Veja-se os casos que tramitam tanto no STF como no STJ e que tratam de decisões sobre os corpos das mulheres. A ADI n. 5911, que está sendo julgada nessa semana, que trata da Lei de Planejamento Familiar no que tange a constitucionalidade das restrições à esterilização voluntária pelas mulheres será decidida por 10 homens e apenas uma mulher.

Da mesma forma, a discussão sobre o crime de estupro de vulnerável, que tem como vítimas majoritariamente meninas, que se desenrola no STJ, é sempre julgada por ampla maioria de homens. Tão sintomático é tal falta de legitimidade que, apesar da Súmula 593 do STJ, volta e meia o STJ discute a presunção de estupro de vulnerável.

Diante de toda essa realidade das mulheres no nosso país, fica claro que há um estado de coisas inconstitucional de gênero no Brasil.

Essa tese do estado de coisas inconstitucional, sedimentada pelo STF na ADPF n. 347 quanto ao sistema penitenciário brasileiro, e também na ADPF 976, no que tange à política de atenção às pessoas em situação de rua deve ser urgentemente discutida em relação à igualdade de gênero no Brasil.

Ora, se o estado de coisas inconstitucional é um mecanismo jurídico utilizado para reconhecer situações que violem a Constituição de forma massiva, ferindo, de forma continuada, direitos fundamentais, o que ocorre com os direitos das mulheres é ou não uma violação sistemática, e progressiva, dos seus direitos fundamentais?

Já passou da hora das mulheres caminharem apenas para frente. E a sistemática falta de política pública eficiente que promova avanços e impeça retrocessos quanto aos direitos das mulheres deve ser reconhecida pelo Poder Judiciário brasileiro urgentemente.

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