A diretora do escritório da Fundação Heinrich Böll no Rio de Janeiro, Annette von Schönfeld, considera o governo Temer um produto “das elites para as elites”, que leva a ONG vinculada ao Partido Verde alemão a repensar sua área de atuação dentro contexto político do país.
Em entrevista à DW, a analista diz ser assustador o atual descrédito da classe política em um país marcado por uma série de escândalos de corrupção e explica por que considera a prisão de Lula e o impeachment de Dilma Rousseff frutos de condenações “meramente políticas”.
Os principais trechos
“O Brasil mudou muito nos últimos 20 anos. Mas não acredito que a sociedade esteja tão rigidamente polarizada. O Brasil é um país em que as pessoas tentam entrar num diálogo. Há uma direita que está forte, que apoia o pré-candidato à presidência Jair Bolsonaro. Mas eu não posso dizer com convicção que Bolsonaro seja mesmo uma figura de liderança da direita. Ele também é bastante criticado. Muitos o consideram politicamente interessante, mas não exatamente competente em todas as áreas. Ele mesmo diz, por exemplo, que não entende de economia e que tem que ser assessorado por bons conselheiros na área. Por isso, uma parcela do eleitorado não se diz convencida por ele. Ele é uma figura contraditória, e seu eleitorado é composto daqueles que querem uma melhoria econômica e isso tem menos a ver com uma opinião política.
“Já a esquerda, que apoia o PT, está bastante apegada a sua campanha pela liberdade de Lula, o que parece ser algo sem perspectiva. Mas, assim, a direita e a esquerda não estão em luta direta. Eles são dois campos que não se combatem tão seriamente, mas que trilham seus próprios caminhos. Algo que é assustador para alguém de fora a dimensão da fragmentação existente no Brasil e a perda de crédito do setor político de centro. Todo o campo político perdeu sua legitimidade de forma muito forte devido a todos esses casos de corrupção, e a população perdeu a confiança nos políticos enquanto classe que decide os rumos do país”.
“Bolsonaro tem muitos partidários jovens, ele tem mensagens curtas, usa bastante o Twitter, como Trump. Também é polêmico, ele aborda muitos problemas de forma não muito construtiva. Eu acho que ele dá poucas soluções, ele prefere ser contra dar novas sugestões. Ele tem o discurso de que o Brasil precisa crescer, e que essa crise tem que ser superada e que ele quer superá-la. Mas acho que ele tem pouco conteúdo que pudéssemos citar. Por outro lado, não há xenofobia no Brasil, também não há, de fato, um problema relevante de refugiados ou uma crise de identidade como nação. Quer dizer, o Brasil não tem pretensões de ser grande novamente em relação a outros países. O país está em crise, mas não há um apelo para que esta crise seja superada através de nacionalismo. E esse é uma grande diferença daquilo que conheço entre a direita na Europa”.
“Há uma maciça crise econômica, há um grande medo de empobrecimento e também há uma grande perda de confiança na tradicional elite política, e as pessoas procuram alguém que possa restabelecer a ordem. E é essa brecha que ele tenta usar e consegue ter bastante sucesso em seu discurso”.
“Acho que possivelmente todos teriam um bom diálogo com o exterior. Também é quase certo que o PT não chegará ao segundo turno com um candidato próprio, porque Lula, muito provavelmente, não poderá se candidatar. Mas toda a coalizão que estiver mais no lado da esquerda e centro-esquerda tem, com certeza, outro entendimento de participação da sociedade civil. Porque esses partidos acreditam que políticos precisam de aconselhamento e que aconselhamento a partir de representantes da sociedade civil é algo enriquecedor”.