Com um presidente da República assumidamente amigo do empresário do campo e uma bancada composta por 257 deputados na Câmara, o agronegócio se protegeu de mudanças pouco lucrativas para o setor na proposta de emenda à Constituição (PEC) número 6/2019, que altera a Previdência Social no Brasil e está em votação no Congresso nesta semana.
Usando esse capital político, o setor conseguiu aprovar, na comissão especial da Câmara que analisou a PEC, a volta da isenção dada atualmente às contribuições previdenciárias dos produtores rurais que exportam, que poderiam gerar quase R$ 84 bilhões de reforço nos cofres públicos em uma década, segundo cálculos do Planalto. Na mesma comissão especial, os deputados ruralistas derrubaram a impossibilidade do perdão de dívidas tributárias, os chamados Refis.
Especialistas apontam que uma tributação sobre a exportação criaria um “jabuti” para a competitividade brasileira no setor agropecuário, especialmente após a assinatura do recente acordo comercial entre Mercosul e União Europeia.
Eles alertam, contudo, que a possibilidade de perdões de dívidas tributárias, como a do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), que soma mais de R$ 15 bilhões, é uma medida contraditória. Isso porque, ao mesmo tempo, a PEC pretende aumentar o tempo de contribuição de trabalhadores e diminuir pensões a fim de alcançar a meta governista de R$ 1 trilhão em dez anos de economia previdenciária – como anunciou a equipe econômica de Jair Bolsonaro ao apresentar a proposta de reforma em fevereiro deste ano.
Na madrugada de 5 de julho, durante a última reunião da comissão especial que analisou a proposta, um destaque apresentado por lideranças dos partidos PP, MDB e PTB retirou do texto substitutivo da PEC o artigo 31, que acabava com a isenção de recolhimento para exportações agrícolas.
Sob protestos da oposição, a alteração foi aprovada menos de 24 horas depois de Bolsonaro dizer a políticos da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) que “esse é um governo de vocês”, em um café da manhã organizado em Brasília.
Professor da FGV Agro e advogado especializado em agronegócio, Ralph Melles Sticca destaca a força da bancada ruralista em temas sensíveis ao setor, mas pondera que uma possível tributação sobre exportações geraria um problema, pois nenhum país atualmente aplica essa medida. Para ele, uma solução seria rever uma emenda constitucional de 2001 que dá ao produtor rural a opção de contribuir por folha de pagamento ou por valor bruto comercializado.
“Em vez de aumentar a carga tributária e onerar as exportações, o que poderia prejudicar acordos e tratados comerciais como o do Mercosul com a União Europeia, melhor seria debater a unificação do sistema de contribuição sobre a folha com propostas de redução de alíquotas, de modo a equilibrar as contas públicas e ainda incentivar o emprego”, afirma Sticca à DW Brasil.
No início do ano fiscal, produtores rurais podem escolher entre contribuir via folha de pagamento, com 20% sobre a remuneração do trabalhador, ou então 2,85% sobre o valor bruto comercializado dentro do país. Os valores exportados não entram na última cobrança e são isentos de recolhimento tributário. Caso isso fosse feito, o governo previa um ganho na arrecadação de R$ 84 bilhões em dez anos para a Previdência.
Sticca lembra que outros setores, como o de construção civil, passaram a ser beneficiados por essa desoneração da folha de pagamento e isenção em exportações com a sanção da lei federal 12.546/2011, durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff.
“Essa desoneração de folha e a isenção para exportações atingem vários setores, mas o agropecuário é o principal, pois representa cerca de metade das exportações do Brasil”, diz o especialista.
O texto da reforma previdenciária também previa o fim de remissões tributárias, que são os famosos perdões provocados pelos refinanciamentos de dívidas, os Refis. A alteração caiu junto com o fim da isenção para exportações. Para Mauro Silva, diretor de Assuntos Técnicos da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita (Unafisco), a possibilidade de acabar com perdões bilionários seria uma das “poucas coisas boas do projeto”.
“Há um estudo da Receita Federal que aponta que os governos brasileiros aprovaram 40 refinanciamentos entre 2000 e 2018 que somaram R$ 175 bilhões de perdões de dívidas. Isso é muito prejudicial às contas públicas e, por isso, a Unafisco brigou na CPI da Previdência para que isso fosse incluído em um projeto de reforma. Acredito que era uma das poucas coisas boas do projeto e infelizmente foi retirado por pressão ruralista”, critica Silva.
Alvo de projetos de lei da bancada ruralista, a dívida do Funrural somada em mais de 15 bilhões de reais seria afetada pelo impedimento de perdão. Durante a campanha à Presidência no ano passado, Bolsonaro prometeu aos ruralistas perdoar o total das dívidas do setor.
Uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) apresentada pela Unafisco no Supremo Tribunal Federal (STF) questiona uma lei aprovada em 2018 no governo de Michel Temer que substituiu o Funrural. A ministra Cármen Lúcia é a relatora da ação no Supremo. (Da DW)