Texto de Gisele Pimenta
Em meados de 1950, cinco crianças causavam o maior alvoroço em Campina Grande, na Paraíba. O motivo? A nacionalidade chinesa, de Chang Chung You Dórea e seus quatro irmãos. Naquele tempo era fato inusitado topar com imigrantes vindos do outro lado do mundo, e os campinenses queriam vê-los a todo custo. Aglomeravam-se, por exemplo, na saída do Colégio Imaculada Conceição para espiar as meninas que lá estudavam. A madre superiora exibia as alunas como se fossem um troféu.
À medida em que o tempo ia passando, Chang aproveitava sua juventude para colecionar certificados. Fez inglês, datilografia, corte e costura e até curso de cozinha. “Na qualidade de imigrante eu tinha que ser mais precavida para encarar o que o futuro pudesse me reservar. O que viesse eu resolveria”, ri.
Chang terminou a graduação em Engenharia Elétrica em 1968. A essa altura, já era uma cidadã naturalizada. “Se alguém me falar que sou menos brasileira que qualquer um aqui, teremos que conversar”, brinca. Foi para os Estados Unidos, fazer mestrado na mesma área. Chegou na University of Massachusetts em 1970, onde conheceu um brasileiro que mudaria os rumos de sua vida.
O dia 20 de julho de 1969 tornou-se marco para o mundo. Foi quando o americano Neil Armstrong entrou para a história como o primeiro homem a pisar na Lua. José Garrofe Dórea ficou sabendo da notícia no momento em que seu avião aterrissava nos Estados Unidos. O hoje professor emérito da UnB chegava ao território ianque para fazer seu mestrado, financiado pela Comissão Fulbright.
Graduado em Medicina Veterinária pela Universidade Federal Rural de Pernambuco, Dórea nasceu em Capela, Sergipe. Um lugar atípico, movimentado à época pela indústria do açúcar. “Tinha colégio de freira, cinema, hospital, médico, dentista, pintor, escultor, música sacra e um núcleo de pessoas que valorizavam a educação”, enumera.
Em Massachusetts, Chang Chung Yu Dórea concluiu o mestrado em Estatística e foi a primeira brasileira a obter o título de doutora em Matemática no exterior. “Fui fazer a pós em Engenharia Elétrica. Me pediram para cursar disciplinas sobre processos estocásticos, probabilidade. Aí acabaram me convidando para estudar na Matemática mesmo”.
José Garrofe Dórea também foi trilhando novos caminhos científicos na pós-graduação. “Quando fui para os Estados Unidos, meu interesse era estudar problemas relacionados ao desenvolvimento da produtividade da agricultura nos trópicos. Fui mudando, mas eu sempre trabalhava com conhecimentos de base. Com a Bioquímica Nutricional, pude ir adaptando”, resume o mestre e doutor nesta área.
Então, os caminhos de José e Chang se cruzaram. “A possibilidade de aglutinação é muito rápida quando dois estudantes estrangeiros se encontram. Existe uma força centrípeta que atrai os semelhantes para um centro comum”, provoca o sergipano.
A convivência resultou em casamento, que já dura 47 anos. Reservados, os professores não deram muitas pistas sobre a vida conjugal. “A vida privada é a vida privada”, desvia José Dórea. Entre causos e risos, pouca coisa escapou:
A professora esperou o filho completar dois meses para aceitar a proposta de emprego na Universidade de Brasília, no Departamento de Matemática. “Ele fez dois meses em julho. Assumi o cargo em 12 de julho de 1975 e em agosto eu estava dando aula”. Alcançou o posto de professora titular, o mais alto da carreira, em 1987.
José Garrofe Dórea foi um dos pioneiros na graduação em Nutrição, à época vinculada à chamada Faculdade de Medicina da UnB. “Encontrei o professor João Bosco Renno Salomon, pessoa maravilhosa que me acolheu e então começamos a montar o curso de Nutrição”, conta.
Em quatro décadas na UnB, Chang orientou mais de 30 teses e dissertações, supervisionou cinco estágios de pós-doutorado e coordenou vários projetos de pesquisa financiados por instituições nacionais e estrangeiras. Foi ainda coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Matemática por 13 anos.
Hoje, é pesquisadora nível sênior do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Concentra seus estudos principalmente na área de Probabilidade, com ênfase em Inferência em Processos Estocásticos, Estatísticas Extremais, Algoritmos Estocásticos, Processos de Risco e de Extremos e Cadeias de Markov Não-Homogêneas.
Publicou mais de 60 artigos em revistas internacionais, possui obra com selo do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa) e escreveu vários capítulos de livros. Atua também como pesquisadora associada sênior no Departamento de Matemática da UnB. Foi homenageada pela UnB com o título de Professora Emérita em novembro de 2018.
O emérito José Garrofe Dórea é referência internacional na área de Ecotoxicologia, sobretudo, em pesquisas sobre contaminação por baixas doses de mercúrio. É defensor expoente do fim do uso do timerosal, substância à base do metal pesado e usada como conservante em vacinas para bebês e crianças.
Pesquisador 1A do CNPq tem mais de 230 artigos publicados em periódicos científicos, além de capítulos de livros. Orientou cerca de duas dezenas de teses e dissertações, prestou consultorias internacionais e participou de inúmeros congressos. Recebeu o titulo de Professor Emérito em julho de 2015. Também foi homenageado pela Faculdade de Ciências de Saúde da UnB, que deu o nome do docente a seu Núcleo de Nutrição.
Os dois filhos do casal emérito fizeram graduação em Engenharia, na Universidade de Brasília. O mais velho, Camilo Dórea, é docente da UnB no Departamento de Ciência da Computação. Caetano ministra aulas na Université Laval, em Québec (Canadá), onde mora.
(Gisele Pimenta trabalha na Secretaria de Comunicação Social da Universidade de Brasília)