Ibsen Pinheiro: “A vida me devolveu, me fará um homem feliz”

Ibsen Pinheiro
Nesta entrevista, ele disse que não via diferenças entre os governos FHC, Lula ou Sarney/Arquivo
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A entrevista com o ex-deputado Ibsen Pinheiro (morreu na noite passada) foi concedida a mim e republicada em 13 de dezembro de 2010 no site Ucho.info por conta de sua desistência em concorrer à Câmara dos Deputados. Na ocasião, foi registrado o seguinte:

A trajetória do político mais forte da era Collor é uma bússola para as novas gerações

Gaúcho, Ibsen Valls Pinheiro foi promotor de Justiça, vereador, deputado e até ocupou o Palácio do Planalto interinamente em novembro de 1992. Talvez aquele tenha sido seu período mais produtivo e influente como político na República. No auge de sua carreira, sofreu a mais violenta e injusta campanha contra um homem público que se tem notícia no Brasil. Ou, como disseram muitos, vítima do denuncismo da imprensa que transformou em US$ 1 milhão o valor equivalente a mil dólares transferido da Caixa Econômica Federal para uma agência do Banrisul. Arrolado na CPI dos Anões do Orçamento, o então líder do PMDB foi acusado de transferir dinheiro das contas e da poupança nas vésperas do sequestrador Plano Collor para o Uruguai.

Ibsen Pinheiro era então o prestigiado líder do PMDB na Câmara e responsável pela quebre da demorada resistência peemedebista para aprovar o sequestro do dinheiro privado, causa de desgraças pessoais e empresariais. Vítima de uma conspiração, o político proeminente caiu de joelhos. O escândalo motivou a cassação injusta de seu mandato parlamentar. Com quase 73 anos (completa no dia 5 de julho), Ibsen Pinheiro ocupa novamente uma das 513 cadeiras da Câmara dos Deputados, mas está longe da influência dos velhos tempos.

“Retornei agora no limiar da velhice. Não acredito que se possa refazer o caminho, e eu acho que o que a vida me devolveu me fará um homem feliz”. Nesta entrevista gravada por telefone na sexta-feira (dia 30/05/2010), Ibsen Pinheiro fala sobre democracia, política, PMDB e sobre o governo Lula. “De fundo, de essência, não vejo diferença. Vejo diferença de dois governos: o governo Collor e o governo militar”.

Ibsen Pinhero

A política brasileira atual está muito diferente de há 10 ou 15 anos?

Não diria que é muito diferente. Primeiro porque 10 ou 15 anos, na vida de um país, não produzem alterações dramáticas. Talvez, na atividade política tivesse havido uma mudança importante, por exemplo, no sistema político representativo. Mudança no sistema do voto ou no sistema de governo. Tivéssemos passado para o voto distrital, por exemplo, ou para o parlamentarismo, aí certamente haveria algumas alterações essenciais ou quem sabe até algumas dramáticas. Para o bem e para o mal. Mas como isso não houve, eu diria que, basicamente, o quadro é o mesmo de 10 ou 15 anos atrás, com as diferenças pontuais do estilo de pessoas nos principais postos de liderança do país.

O PMDB mudou neste período? Transformou-se num retalho de facções?

Eu não diria que mudou, não. Eu acho que o PMDB tem uma característica essencial que não se alterou. Um caráter frentista, e não vejo isso como negativo. Num país onde as definições ideológicas faltam em todos os partidos, nos pequenos, isto é um agravante e não um atenuante. Ser um partido “multifacético”, até impreciso, e ser pequeno não é vantagem. O PMDB, pelo seu tamanho, pela sua presença nacional, tem tido um papel importante no país.

Mas o papel importante do PMDB tem sido apenas o de se tornar um partido de alianças, sem ser “cabeça” nas grandes propostas ou candidatos próprios?

Isso é uma característica que tem uma aparência negativa, mas ele decorre também deste traço positivo do PMDB. O marco de alianças e a expressão continental até tem sido um fator importante no nosso país. É muito freqüente fazer um tipo de fixação de que o PMDB é um partido de governo, mas no geral, não se analisam os partidos que o PMDB apoiou. E é interessante observar que eles têm praticamente o mesmo perfil político, ideológico e administrativo. Aqui para nós: aponte-se uma diferença essencial, de fundo, entre os governos Sarney (José), Itamar (Franco), Fernando Henrique (Cardoso) e Lula (Luiz Inácio Lula da Silva). De fundo, de essência, não vejo diferença. Vejo diferença de dois governos: o governo Collor e o governo militar. Na desmontagem desses dois governos, o PMDB teve um papel decisivo. Talvez o Brasil não se dê conta desta contabilidade devedora que tem com o PMDB. E é justo registrar porque é verdadeira. O PMDB apoiou os últimos governos, esses que eu citei, mas é oportuno citar que apoiou governos de um perfil social-democrata semelhante.

O PMDB sempre foi um partido de grandes bandeiras. Essas grandes bandeiras foram abandonadas ou não existem mais projetos de futuro para o país?

Essas grandes bandeiras foram vencidas, superadas, alcançadas. Eu me lembro o quanto foi difícil…

Hoje não existem mais bandeiras?

Eu vou te responder conceituando rapidamente. Foi muito difícil formular as bandeiras da Constituinte e da anistia. Muito difícil. Por causa também do inimigo externo, que era o governo militar. Essas bandeiras que o PMDB levantou se acrescentaram depois da eleição direta, e com essas bandeiras – anistia, Constituinte, eleição direta – o PMDB arrastou o país, sepultou o regime militar, e sem o enfrentamento violento. Hoje, qual seria a bandeira que sensibilizaria o país? O PMDB não tem, mas quem tem? Ninguém tem. É o país que está com uma imprecisão de rumos. Você ouve um social-democrata do PSDB falar, aqui entre nós, é a mesma linguagem do social-democrata e do PT. Ainda que um ataque o outro, e cruzem-se os enfrentamentos políticos, no plano ideológico não há nenhuma divergência. Todos querem a estabilidade econômica, todos se dedicaram a profunda austeridade fiscal, todos falaram na reforma política, na reforma tributária. E o PMDB também. Agora, perceba que a cobrança é mais forte do PMDB que sobre PSDB ou PT, para exemplificar com os três maiores. Logo, formular uma bandeira é tarefa muito difícil, porque esta não é uma mera questão intelectual, você encontrar uma mensagem. Não. Isto é produto de uma correlação de forças para que seja eficaz. Isso o PMDB não tem obtido, mas também ninguém tem obtido.

O Brasil poderia ter um reverso democrático com o terceiro mandato?

Acho improvável e muito menos possível. Acho que houve um adensamento cultural entre nós. Muito mais da barreira constitucional de emenda de Constituição, com quorum qualificado. Muito mais do eu isso: eu acho que há um enraizamento cultural da vivência democrática que veio para ficar. Espero e estou batendo na madeira, hein! Por que digo isso? Nos Estados Unidos, provavelmente seria um candidato imbatível o presidente Bill Clinton, e não se escutou nenhuma proposta de uma emenda constitucional que permitisse um terceiro mandato, que nem sequer seria contínuo. Não é? Pois bem, porque isso é cultural. Isso porque eu acho que nós adensamos nossa cultura, também a este ponto. O próprio presidente tem dito que não cogita um terceiro mandato. E esta não é uma questão de sinceridade. Não é uma questão subjetiva. Eu acho que uma proposta desta natureza, formulada por alguém que tenha peso e expressão política, teria rejeição nacional, criaria um clima de azedume nas relações políticas, se que partisse de uma força política expressiva. Ora, como partindo de amigos do presidente, ou de áulicos do presidente, isto é um mero exercício de bajulação que não produz nenhum efeito.

Em sua opinião, o Brasil tem carência de figuras políticas como Ulysses Guimarães?

Olha, figuras como o Ulysses Guimarães são sempre mais do que necessárias, são sempre imprescindíveis. Mas a experiência de todos os povos indica que a circunstância histórica enseja o surgimento dessas figuras. Às vezes, até de uma pessoa física que estava presente, mas não era percebido. Ulisses se aproximava dos 60 anos, com 40 de vida pública, quando a história o convocou para aquele papel que ele exerceu com maestria, com correção, com talento e com dignidade.

Hoje, o país tem falta de lideranças emergentes, de pessoas que possam servir como contraponto à realidade do Brasil?

Não acho que este seja um problema de talentos. Acho que é mais um problema de conjugação histórica. Vou te dar um outro exemplo: Winston Churchill, se tivesse morrido aos 65 anos, seria uma notinha de pé de página na Enciclopédia Britânica. Aos 65 anos ele assumiu a chefia do governo da Inglaterra para desempenhar o papel de uma das figuras dominantes do século. E até aos 65 anos a sua biografia era de apenas um servidor de algum destaque, nada mais do que isso. A circunstância histórica, o enfrentamento do nazismo, a coragem para unir o povo inglês, marcaram a figura do século, marcaram a figura de Churchill do século XX. Isso também se aplicou ao Ulysses. Como Getúlio Vargas, em 30, assumiu um papel “relevantíssimo” na história do nosso país. Às vezes, isto ocorre pelo nascimento. O papel de D. Pedro II não pode ser desprezado, e com freqüência é, nos fatores decisivos para a fixação da unidade nacional. Já ouvi alguém dizer, com graça, que o período mais republicano da nossa história foi aquele que veio de 1840, da maioridade, até a república.

O senhor foi vítima da imprensa. Foi uma campanha que quase o aniquilou politicamente e, depois de anos, o senhor está voltando. O senhor teme a imprensa de hoje?

Olha, eu temo a injustiça. Mas não tenho remédio contra ela. Porque ela é praticada, a injustiça, como a deformação do exercício da liberdade. Mas toda vez que se pretendeu coibir a injustiça coibindo a liberdade, o resultado foi pior. Porque aí, a injustiça, invés de ser um vício localizado, passou a ser um vício generalizado. Logo, a liberdade cujo desvio seja a injustiça, é também o remédio contra ela. E aquela injustiça que se pratica no ambiente sem liberdade, essa é eterna. E no regime da liberdade, até a reparação da verdade é possível acontecer. E foi o que aconteceu comigo. Fui vítima do mau uso da liberdade de imprensa, mas fui também recuperado, reabilitado, pela liberdade de imprensa. Então, eu continuo temendo a injustiça, mas muito mais do que isso, sendo um adepto fervoroso da liberdade.

Na época o senhor era um homem muito forte politicamente, uma liderança nacional. O senhor acha que, com o passar do tempo, vai conseguir chegar àquele nível que estava quando foi vítima desta campanha?

Não. Não acredito não. A vida não tem replay. Só o futebol na televisão é que tem. E a vida já me deu muito mais do que eu esperava. Talvez menos do que eu merecesse, mas mais do que eu podia esperar. A simples retomada do meu caminho na vida pública não me obriga a refazer aquele caminho. Veja: eu fui de vereador de Porto Alegre a presidente da Câmara dos Deputados em 14 anos. Ora, isto não é comum. Muito menos reproduzir isto. Além disso, eu comecei aquela caminhada, no acaso da juventude. Retornei agora no limiar da velhice. Não acredito que se possa refazer o caminho, e eu acho que o que a vida me devolveu me fará um homem feliz.

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