Há quase um ano, falar em uma “nova CPMF” – a Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras, que vigorou de 1997 a 2007 – era praticamente um tabu. O então secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, acabou demitido por defender a volta do tributo, e o presidente Jair Bolsonaro fez questão de ressaltar na época que a ideia estava fora de cogitação.
Agora, uma “nova CPMF” passou a fazer parte do discurso do ministro da Economia, Paulo Guedes. Embora não tenha sido incluído na primeira parte da reforma tributária enviada ao Congresso pelo Executivo em julho, a expectativa é que o tributo seja proposto numa fase posterior.
Até o momento pouco se sabe sobre a proposta, apenas que seria um imposto de 0,20% sobre transações financeiras eletrônicas – quando extinta, a antiga CPMF era de 0,38% –, o que incluiria, por exemplo, a compra de um produto em um site ou uma transferência bancária. Não está claro se a cobrança se daria nas duas pontas do processo.
A intenção do governo é arrecadar R$ 120 bilhões para desonerar ao menos parte folha de pagamentos e ajudar a financiar o Renda Brasil, proposta de programa de renda mínima permanente do governo federal. O discurso tem sido o de que “se todos pagam, todos pagam menos”. Se esse montante fosse atingido, seria a quarta maior fonte de receita do governo, atrás do imposto de renda, da receita previdenciária e da Cofins.
Apesar do discurso oficial de redução de tributação para todos, tributaristas e economistas ouvidos pela DW Brasil argumentam que este é um tipo de imposto que agrava a desigualdade social, além de criar distorções na economia e desincentivar o uso de tecnologias para pagamentos. Suas vantagens são a facilidade de arrecadação e a dificuldade de sonegá-lo.
A CPMF é considerada um tipo de imposto ruim por ser regressivo. Em geral, chama-se de regressivos impostos que não são proporcionais à renda, principalmente os que incidem sobre consumo, porque os mais pobres gastam uma proporção relativamente maior da sua renda nisso.
Segundo o ministro da economia, contudo, o imposto não prejudicaria os mais pobres, já que são os ricos que mais fazem transações digitais, e seria uma forma de evitar sonegação. “Quando há uma afirmação como essa, parece que não vivemos num país onde os mais pobres parcelam uma geladeira, um sofá; isso é uma transação financeira”, afirma Damasceno.
Ao mesmo tempo, a pesquisadora da FGV acredita que aqueles que têm mais dinheiro são os que têm maior capacidade de burlar o sistema, por exemplo, usando criptomoedas ou possuindo conta no exterior. “Tem relatórios da Receita Federal sobre sonegação da CPMF no passado, quando as instituições financeiras estavam permitindo que dinheiro de clientes VIPs [de altíssima renda] transacionasse por distribuidoras de valor e assim evitavam a cobrança do tributo”.
Para Fleury, com a taxa básica de juros Selic na mínima histórica, a 2%, a alíquota de 0,2% cobrada seria proporcionalmente alta, o que traria outro efeito colateral: a elevação do custo do dinheiro. Ele ainda alerta para uma possível verticalização da economia, a depender da alíquota, especialmente em setores que já trabalham com uma margem pequena de lucro, como o supermercadista.
Além disso, segundo os economistas, por ser considerado ineficiente, nenhum país desenvolvido adota um imposto sobre transações financeiras desse tipo, que hoje vigora em poucos lugares, como é o caso da Venezuela.
De toda forma, não seria fácil aprovar o tributo. Uma pesquisa da XP Investimentos que ouviu 146 deputados, entre 20 e 31 de julho, revelou que a criação de um imposto sobre transações financeiras tem apoio de 20% dos parlamentares.