Texto de Josiara Diniz
57 anos atrás um homem negro gritava para mais de 200 mil pessoas que ele tinha um sonho. 57 anos depois nós continuamos sonhando e esperando o dia em que ser negro será uma característica física e não um erro.
Na mesma semana em que conquistamos no Tribunal Superior Eleitoral o financiamento proporcional das campanhas de pessoas negras, foi publicado, pelo Atlas da Violência de 2020, que a maioria das mulheres assassinadas no Brasil são negras.
O ímpeto que nos mostra avanço é o mesmo que nos aponta os atrasos. Quando a campanha do #blacklivesmetter ou #vidasnegrasimportam vai para a segunda página, a comunidade negra continua sendo morta todos os dias (um jovem negro a cada 23 minutos).
Luther King exigiu que o anseio democrático fosse válido para todos. Exigia que os negros pudessem votar. Aqui no Brasil, com mais recursos nas campanhas, exigimos que os negros sejam também eleitos. Todavia, assim como sufrágio não é sinônimo de direito; democracia não é sinônimo de voz plena.
Benedita da Silva, deputada federal (primeira senadora negra do Brasil) e quem protocolou a proposta votada no TSE, foi reduzida a sua raça. Mesmo quando um negro consegue ser mais que eleitor, furar as estatísticas e bradar “eu tenho um sonho” ele ainda será lembrado que aquele lugar não é dele.
Quando a deputada é chamada de “preta ridícula”, “nariz de tomada”, “beiçuda”, ela representa todo e qualquer negro que diz “eu tenho um sonho”. Um sonho de participar, um sonho de ter voz, um sonho de ter liberdade, um sonho de não ser morto.
Luther King em 1963. Benedita da Silva em 2020. Ambos tiveram o sonho que a democracia tinha que ser mais que um sistema político. Mas também uma ferramenta antirracista que contribuísse para a diminuição das assimetrias de raça.
Martin Luther King disse que não haveria descanso nem tranquilidade na América até o negro adquirir seus direitos como cidadão. Aqui no Brasil, acreditamos que nem existe um sistema democrático pleno sem que o antirracismo esteja na agenda principal. A liberdade da sociedade brasileira, e seu consequente progresso, só será realidade se uma coesão antirracista acontecer. Ou como disse King, “sua liberdade está intrinsecamente ligada à nossa”.
A mesma raiz que leva mulheres negras a serem a maior parcela nos assassinatos é a que faz discursos de ódio para uma parlamentar negra. A razão é a mesma, apesar da ação ser distinta. Enquanto o brasileiro achar normal uma parlamentar ser chamada de “vagabunda e preta ridícula” e achar terrível o vídeo de uma violência policial (nos Estados Unidos) não veremos o sonho de Martin Luther King se tornar realidade. Nem nos Estados Unidos, nem no Brasil.
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