Os caminhos de Washington

As eleições presidenciais dos Estados Unidos serão realizadas no dia 3 de novembro próximo/Reprodução TV
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Texto de Márcio Coimbra

As cadeiras globais de poder passam por um dos maiores desafios recentes. Depois do surgimento de governos conservadores na esfera externa, o que enfraqueceu a capacidade aglutinativa dos organismos internacionais, estamos diante de um período de acomodação destas forças políticas. Deste cenário emergirão as novas estruturas de poder que devem reger os rumos deste século. É preciso acompanhar este processo com extrema cautela.

É neste ponto que se insere a importância da eleição presidencial norte-americana deste ano. Isto porque os Estados Unidos da América servem de elemento balizador do sistema democrático ocidental, exercendo influência direta e indireta sobre os caminhos trilhados em outros países. A guinada na política externa executada por esta Casa Branca foi sentida em todos os cantos do mundo, alterando os alicerces de poder como conhecemos. É preciso saber se esta mudança veio para ficar.

Trump chegou ao poder atacando as bases do sistema interdependente externo, baseado na força e ingerência do multiculturalismo em escala global. Ao se retirar de organismos internacionais e questionar a capacidade destes em apresentar soluções, sugere uma reforma nos mecanismos do sistema internacional, valorizando o papel do estado nação como elemento essencial das relações externas.

Assim, a escolha política que emergirá das urnas americanas tem a capacidade de gerar efeitos diretos na acomodação de poder global, reafirmando os passos dados por Trump ou realinhando os caminhos com Biden. Qualquer uma das opções gera reflexos diretos no grau de influência que ainda podem exercidos por China e Rússia na arena internacional. Somam-se neste quesito também os naturais desdobramentos no Oriente Médio e até na América Latina, que hoje sofre pressão de Pequim e Moscou na tentativa de ampliar sua influência.

Se existe dúvida em relação a quem ocupará o Salão Oval, no Capitólio, o poderoso parlamento dos Estados Unidos, já é possível prever uma vitória democrata. A Câmara de Representantes, que já está nas mãos do partido de Biden, certamente deve permanecer assim. No Senado as chances de uma virada democrata também são grandes. Diante das disputas que estão em jogo, é provável que três a quatro vagas troquem de lado e os republicanos percam sua maioria.

No que tange a Casa Branca, a situação para os democratas se mostra também mais confortável, uma vez que as chapas para o parlamento impulsionam os candidatos nacionais em alguns distritos. Além disso, a performance do Presidente tem sido muito criticada no que tange a economia, saúde, tensões raciais e distúrbios civis. A imagem da figura pública presidencial se desgastou com os últimos episódios políticos.

A estratégia também é um ponto crucial deste jogo. Diante do modelo eleitoral norte-americano a eleição acaba sendo disputada realmente apenas em alguns estados, pois na maioria dos colégios eleitorais o resultado está definido. Em 2016, Trump venceu por pequena margem em estados-chave, como Pennsylvania (0,72%), Michigan (0,23%), Wisconsin (0,77%) e Flórida (1,2%). Em todos estes Biden lidera com maioria superior a 5%. Se houver virada nestes locais, o resultado da eleição certamente será outro. Por fim, Ohio, o estado que reproduz em suas fronteiras as mais fiéis características do país, onde Trump venceu em 2016, também virou para lado de Biden.

A realidade parlamentar deixa claro que, caso reeleito, Trump não terá vida fácil no Congresso e que Biden terá respaldo para operar uma virada substancial nas políticas do país, a começar pela área externa, resgatando a agenda de Barack Obama. Caso o democrata seja eleito, podemos esperar o retorno dos Estados Unidos a fóruns e organismos como o Acordo de Paris, Unesco, OMS, reaproximando-se também da agenda de distencionamento com Cuba.

A América Latina ocupará um lugar secundário no debate, mas está no radar de ambos partidos. O alcance de Rússia e China na região de maior influência natural dos Estados Unidos não agrada Washington. Tanto a aproximação de Moscou via Caracas, como a sinodependência econômica impulsionada por Pequim, são temas importantes de qualquer presidente que esteja ocupando o Salão Oval a partir de 2021. Este é um movimento que de uma forma sutil leva os latino-americanos mais uma vez para os importantes debates que permeiam as relações externas.

Diante disso é importante o Brasil estar atento e mover-se com inteligência. Nosso país possui canais com os dois lados do espectro político, algo que aprendi a cultivar durante meus anos em Washington. Ao introduzir o futuro governo brasileiro para os decision makers do lado republicano durante visita em 2018, sabia que também era importante fortalecer relações amistosas com os democratas. Um caminho que podemos abrir da maneira certa, pelos canais corretos, assim como operamos com êxito dois anos atrás.

Certamente a realidade que emergirá desta eleição norte-americana terá reflexos profundos e ajudará a desenhar as novas estruturas de poder. A consolidação da visão de mundo exposta por Trump impulsiona uma leitura que certamente continuará a reordenar os mecanismos internacionais. Biden representa o retorno a um modelo multilateral onde as agendas globais recobram seu fôlego.

O Brasil, que se aproximou dos americanos neste governo, possui uma posição estratégica. Na mesa estão temas sensíveis, como agricultura, comércio e as novas redes de tecnologia. Ao agregar os temas, de forma inteligente, será possível criar, dos dois lados do espectro político, parcerias que sejam benéficas para as duas nações.

(Márcio Coimbra é coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília e diretor-executivo do Interlegis no Senado Federal)

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