Texto de Noemí Araújo
Atualmente, cerca de 196 vacinas estão em desenvolvimento no mundo. No Brasil, onde se contabiliza mais de 5 milhões de casos e 150 mil mortes, a previsão é de que cerca de 186 milhões de doses da vacina contra a Covid-19 cheguem no início de 2021, mas não será obrigatória.
Em comunicado oficial, o Ministério da Saúde informou que “o governo federal oferecerá a vacinação de forma segura, mas não recomendará sua obrigatoriedade aos gestores locais – respeitando o direito individual de cada brasileiro“; confirmando a fala do presidente Jair Bolsonaro nesta segunda (19), quando ele alegou que: “pelo menos metade da população diz que não quer tomar a vacina; (…) o governo federal não obrigará ninguém a tomar essa vacina”. O que se contrapõe à fala do governador de São Paulo – estado com o maior número de óbitos pelo vírus no país – que afirmou (no mesmo dia) que a vacina será obrigatória no Estado, salvo apresentação de atestado médico.
A questão é: sou obrigado (a) a tomar a vacina ou tenho a liberdade de escolha? De acordo com a Lei do Coronavírus (nº 13.979/20), apresentada pelo Ministério da Saúde e sancionada pelo presidente Bolsonaro, na situação atual de pandemia, as autoridades poderão determinar a realização compulsória (obrigatória) de “vacinação e outras medidas profiláticas” (prevenção de doenças), previsto na alínea d do inciso III, art. 3º.
A Lei nº 6.259/1975 que criou o Programa Nacional de Imunizações (PNI) estabelece a obrigação quanto às vacinas; e, a Portaria nº 597/2004, que instituiu o calendário nacional de vacinação, prevê as sanções quanto ao não cumprimento, estabelecendo que não tendo completado o calendário, a pessoa não poderá se matricular em creches e instituições de ensino, efetuar o alistamento militar, receber benefícios sociais do governo ou até ser contratado via CLT. Pode ser que na prática isso não seja cumprido, mas está previsto legalmente. Como também, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê que jovens até 18 anos devem ser vacinados quando há recomendação das autoridades sanitárias, e o descumprimento pode resultar em multa de três a 20 salários mínimos para os responsáveis.
Uma decisão no STF está sendo aguardada no que se refere à possibilidade de pais deixarem de vacinar seus filhos menores de idade tendo como fundamento convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais. A ação promovida por pais veganos terá repercussão geral, ou seja, a decisão valerá para todos os casos semelhantes.
Mas, para além de todas as problemáticas causadas pelo vírus como a crise sanitária, econômica, os óbitos e possíveis sequelas físicas e mentais, somam-se ainda a xenofobia e as teorias da conspiração causadas pelo desconhecimento e pelas fake news disseminadas. Afinal, por que não importar uma vacina chinesa sendo que a China é o principal parceiro comercial do Brasil? Em 2019, 19,9% de nossas importações vieram do país comunista: tecidos, eletrônicos de pequeno porte para celular, som, televisão, motores e geradores; entre tantos outros. Você sabia que cerca de 70% dos remédios genéricos consumidos pelos brasileiros, como dipirona e paracetamol, são fabricados na Índia, mas com matérias-primas compradas da China?
Ironia do destino ou não, a vacina desenvolvida pela chinesa Sinovac em parceria com Instituto Butantan é a mais segura, com o melhor perfil de segurança até o momento, de acordo com os testes feitos no Brasil e em todo o mundo. Especialistas e a própria Anvisa afirmam que podem, inclusive, aceitar um patamar com cerca de 50% a 40% de eficácia para esse caso, diante da situação de emergência da pandemia, pois já seria suficiente para reduzir a mortalidade e as internações. Os testes estão sendo feitos com as vacinas que vieram da China, mas a partir do momento em que houver a comprovação de eficácia, haverá a transferência de tecnologia para que a vacina seja produzida nacionalmente.
Mas, mesmo se não fosse brasileira, a questão agora é saber se a vacina também será capaz de imunizar a população brasileira contra o vírus da ignorância e da polarização político partidária; contra o achismo, o negacionismo e o embasamento nada científico ou técnico dos grupos antivacinais e dos novos doutores que surgiram nas redes sociais, dentro das famílias e no Parlamento, que alegam: “eu não sou médico, mas…”.
De acordo com Luiza Rosa Leão, Enfermeira Especialista em Saúde Coletiva (Fiocruz) e mestranda em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional (CEAM-UnB): “a vacina é uma tecnologia que para além de prevenir uma doença altamente contagiosa e com possibilidade de deixar sequelas significantes, está a promoção à saúde da coletividade. A imunização coletiva se constitui política pública de baixo custo e alta eficácia em impedir a livre circulação do novo coronavírus, com todas as mazelas sanitárias e socioeconômicas que uma doença potencialmente incapacitante pode trazer à economia, além de reduzir o gasto estatal com internações hospitalares. Vacinar-se, nessa perspectiva, é também um ato de cidadania”.