Texto de Gilmar Corrêa
Boné, um cantil, um cajado de bambu e chinelos. Na manhã do primeiro dia do ano da graça de 2021 peguei a trilha de subidas e descidas com o Sol já esquentando. Foi uma caminhada de cerca de duas horas para correr a imaginação e os pensamentos, os agradecimentos e os desejos.
Tudo de acordo com o figurino, como pede a virada do ano, que se resume em esperanças de dias bons e melhores. Não pode ser diferente.
Tomei o caminho como se fosse os dias que experimentamos no cotidiano. Muitas pedras, muitos espinhos, muitas descidas, muitas subidas, sombras e sede de água e de conhecimento. O suor escorre como uma tarefa honesta a ser executada.
A trilha por onde passam bicicletas de mountain bike estava vazia. Os ciclistas deram uma trégua. Quem sabe, tinham deixado o caminho livre de propósito para a necessária caminhada solitária, que aguça o ouvido e desperta os olhares.
Somente os bichos presentes. Para eles, tanto faz domingo, feriado, uma segunda-feira ou o início do ano novo – segundo o nosso calendário. Para eles, o dia amanhece e anoitece, numa sucessiva rotina onde o importante é comer, reproduzir e sobreviver. Não há dramas nem filosofia. Apenas a vida e a morte.
Na trilha, as trilhas de formigas num trabalho coletivo sistemático e disciplinado. Levar comida para o ninho de milhares de indivíduos. Diferentes subespécies da mesma espécie. São 18 mil, das quais 20 mil já foram descritas. No Brasil, são cerca de 2 mil espécies. De acordo com pesquisadores da Unesp, somente no Distrito Federal, são 36 espécies de formigas.
A caminhada segue com topadas, dois ou três espinhos sem gravidade e algumas vezes a água correndo entre as pedras fazendo barulho de cachoeira. Detalhes importantes que alimentam a nossa passagem.
No filme de animação Soul, a moral da história é que o sistema pode ser enganado. Até certo ponto. E que não há uma missão definida pra gente em nosso destino, porque apenas os detalhes importam. O que fica é a compreensão de que essas pequenas coisas importam.
A jornada dos próximos 365 dias – imagino – não deve ser de grandes expectativas, de sonhos e projetos monumentais, mas de detalhes. Assim, podemos chegar no final dessa trilha cansados, mas um pouco mais completos.
Feliz trilha em 2021.
