Texto de André César
Aos observadores da cena política nacional não causou surpresa ou espanto a recente publicação dos decretos presidenciais que flexibilizam as regras para aquisição e porte de armas de fogo. Ao contrário, as medidas seguem em linha com as propostas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), explicitadas desde quando o atual presidente era deputado. Nada de novo nesse front.
Em linhas gerais, os decretos elevaram de quatro para seis o número de armas que o cidadão comum pode comprar; retiraram do Exército a fiscalização de aquisição e registro de determinados armamentos; e aumentaram a quantidade de armas e munições que caçadores, atiradores e colecionadores podem adquirir.
Em tese, as medidas alteram o Estatuto do Desarmamento e, portanto, somente poderiam ser implementadas por lei, e não por decretos. A presidência da República, desse modo, teria cometido uma ilegalidade, na visão de muitos.
Igualmente está dentro do script a reação da oposição, notadamente os partidos de centro-esquerda, que imediatamente questionaram na Justiça os decretos. PT, PSB e Rede Sustentabilidade ingressaram no Supremo Tribunal Federal (STF) com ações contra as medidas. Na Corte, ainda não há relator e muito menos prazos para a discussão da questão.
Voltando ao Planalto, são facilmente explicáveis as motivações para a edição dos decretos. Além da questão puramente ideológica, bastante cara ao eleitor bolsonarista, há fatores como o agravamento da crise da pandemia e as dificuldades para a retomada do crescimento econômico. O fim do auxílio emergencial e a falta de perspectiva para parcela significativa da população inevitavelmente afetam a popularidade presidencial.
A tentativa de mudança de foco no debate nacional, portanto, faz parte da estratégia do governo de manter sua base aliada unida – afinal, as eleições presidenciais se aproximam e Bolsonaro já está em campanha. A questão do armamento da população, como exposto acima, mobiliza o eleitor do titular do Planalto.
Em 1968, os Beatles produziram o famoso “Álbum Branco”, LP duplo que continha inúmeros clássicos, entre eles “Happiness is a warm gun” – em tradução livre, “a felicidade é uma arma quente”. A canção, com sua letra cáustica e irônica sobre a relação de um homem com seu revólver, me veio à mente tão logo se instaurou a polêmica em torno da flexibilização do Estatuto do Desarmamento. Na era Bolsonaro, o quarteto de Liverpool segue atual como nunca.