Entenda o que é o chamado “distritão” em discussão na Câmara

Eleições papel no chão Misto Brasília
O distritão exclui a possibilidade de novas lideranças e privilegia quem tem mandato/Arquivo/Agência Senado
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Um sistema semelhante é utilizado na Alemanha, mas com predomínio do princípio proporcional

Uma comissão especial da Câmara dos Deputados está analisando mudanças no sistema eleitoral brasileiro. A pauta inclui mudanças profundas, como o abandono do sistema de votação proporcional vigente para a adoção do chamado “distritão“, em viés transitório, nas eleições de 2022. Após uma tentativa de votar a alteração na última quarta-feira (04/08), a discussão foi adiada para a próxima semana.

O modelo do distritão, proposto pela deputada relatora Renata Abreu (Podemos-SP), privilegia os candidatos que recebem maior votação em cada distrito eleitoral, sem levar em conta o desempenho partidário. A proposta tem recebido muitas críticas por privilegiar celebridades e nomes tradicionais, além do potencial de excluir ainda mais setores subrepresentados na política, como mulheres e negros.

Pelo sistema proporcional que vigora atualmente, a votação expressiva em um candidato garante a seu partido uma representação correspondente no Congresso, mas não exclui as legendas que receberam menos votos. Este formato é utilizado pela maioria das democracias ocidentais.

A proposta da deputada Renata Abreu prevê que o distritão sirva como transição a um modelo distrital misto. Um sistema semelhante é utilizado na Alemanha, mas com predomínio do princípio proporcional.

Deputada Renata Abreu
Renata Abreu fez um relatório sobre a reforma eleitoral que prevê o distritão/Arquivo/Agência Câmara




Embora todos os modelos apresentem fragilidades, o cientista político Claudio Couto, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), é taxativo ao criticar a proposta em discussão na Câmara. “Estamos criando um sistema muito pior do que a gente já teve em qualquer época”, afirma, em entrevista à DW Brasil.

Mesmo que o sistema proporcional seja mantido, uma minirreforma aprovada no Senado, que ainda será discutida na Casa, propõe o fim das cotas de gênero e raça nas candidaturas dos partidos.

Couto lembra que a adoção dessa política vinha gerando resultados, e lamenta as constantes mudanças de regras eleitorais. A cláusula de barreira, adotada pela primeira vez nas eleições de 2020, é lembrada pelo pesquisador como outra mudança positiva que já seria alterada.

“A gente não dá tempo sequer de a coisa vicejar e já está querendo acabar com ela. É muito ruim, gera instabilidade, do ponto de vista do sistema partidário e do processo eleitoral. Mais uma vez, não teremos duas eleições seguidas com a mesma regra”, critica.

“É um sistema ultramajoritário, que inclui dentro da votação só aqueles indivíduos mais votados e deixa de fora todos os outros que tenham recebido votos, mas que individualmente não ficaram entre os mais votados. Vou dar um exemplo do que pode acontecer. Dependendo do grau de pulverização dos votos entre os vários candidatos, a gente poderia ter a seguinte situação em São Paulo, por exemplo: o estado elege 70 deputados federais, e, hipoteticamente, os 70 mais bem votados podem ter recebido uma votação de 10% da população, enquanto que todos os outros receberam votos dos 90% restantes. O que iria acontecer? Esses 90% da população não iam eleger nenhum representante, e os 10% que votaram naqueles 70 iam ser representados. Você ia ter uma exclusão de 90% dos eleitores”.



“Por isso, eu digo que é um sistema ultramajoritário. Quem está na frente entra, e quem está atrás fica fora. Você tem um grande desperdício de voto, além de um prejuízo na qualidade da representação, já que tanta gente é excluída. Ao mesmo tempo, na medida em que essa eleição se torna uma corrida para chegar à frente dos outros, serão premiados os candidatos muito endinheirados, que têm muitos recursos para fazer campanha, ou grandes celebridades. Você exclui candidatos que possam representar certos segmentos da sociedade e que hoje, no sistema proporcional, são contemplados, porque mesmo que individualmente ele não tenha tanto voto, o partido ao qual ele pertence teve voto. Eles entram no Legislativo como representantes desses partidos, e você não tem praticamente nenhum desperdício de votos. Como a situação é proporcional, todo mundo vai ter uma partícula de representação”.

“Da forma como está, o sistema se torna tremendamente excludente. É claro que poderia, teoricamente, ter um sistema que estabelecesse regras com essa finalidade. Por exemplo, uma vaga para o primeiro homem mas votado, outra para a primeira mulher, o segundo homem, a segunda mulher, até preencher tudo. Isso garantiria uma representação equitativa, do ponto de vista de gênero, algo parecido teria que ser feito para todos os outros grupos que, mesmo tendo um certo contingente populacional na sociedade, são subrepresentados no sistema político em relação ao tamanho que têm na sociedade. No sistema proporcional, isso é muito mais fácil, porque naquela chapa que o partido elege, você pode ter negros, mulheres, indígenas, uma série de setores que vão acabar sendo, de alguma maneira, representados”.

“O distritão não dá nem para dizer que é retrocesso, o distritão é pior que isso. Não é que a gente esteja voltando para um estágio anterior. Estamos criando um sistema muito pior do que a gente já teve em qualquer época. No caso do fim das cotas, a gente está desfazendo uma política que produziu resultados e continua produzindo. Inclusive, poderíamos aguardar por novos desdobramentos, ter esse balanço, assim como das mudanças eleitorais adotadas em 2017. Foram boas regras, a fim de reduzir o excesso de fragmentação e incentivar os partidos muito pequenos a se fundirem com partidos maiores ou entre si, para evitar essa pulverização. A proposta que está sendo discutida agora joga tudo isso por terra, sem que essas reformas de 2017 tivessem efetivamente seus resultados produzidos. A gente não dá tempo sequer de a coisa vicejar e já está querendo acabar com ela. É muito ruim, gera instabilidade, do ponto de vista do sistema partidário e do processo eleitoral. Mais uma vez, não teremos duas eleições seguidas com a mesma regra”.


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