Aqui iniciamos uma espécie de bricolagem (gambiarra positiva) em meio a aspectos negativos
Texto de André César e Vinício Carrilho Martinez
O Brasil é pródigo em infinitos aspectos – negativos e positivos: o saldo final não se conhece muito bem. Somos dotados de um humor típico: meio sórdido, cáustico, “politicamente incorreto”, quer dizer ofensivo, preconceituoso, mas também (ou talvez por isso mesmo) muito criativo. Temos, ou tínhamos, uma natureza verdejante, especialmente na Amazônia e no Pantanal – o ditado popular dizia assim: “aqui, em se plantando, tudo dá”.
Demos, inclusive, exemplos retumbantes de corrupção e maus tratos ao povo pobre e negro. Ainda se diz que somos (ou éramos) um país “hospitaleiro” – com as devidas ponderações de que sempre fomos “acolhedores” com algum interesse na manga. Tínhamos uma musicalidade que encantava o mundo, assim como a dança, muito folclore, cultura popular e muitos “jeitinhos” para as crises – de todas as naturezas. Nesse sentido, somos reconhecidos por “dar nó em pingo d’água”, fazendo as famosas e mais impossíveis gambiarras: públicas e privadas.
Uma dessas gambiarras públicas, como todo mundo sabe, é a criatividade para corromper praticamente tudo. Isso fazemos no atacado e no varejo, dentro e fora de casa, na escola e no trabalho, com amigos e inimigos. E este é um dos aspectos que compõe o que podemos designar como “realismo político”, isto é, o que sobra de realidade política quando descontamos as boas intenções, a incompetência, as ideologias, as demagogias e bravatas, o estrago causado pela própria corrupção. De certo modo, esse pacote político – muito realista – apenas comprova nossa “criatividade”.
É realmente uma lástima, uma pena, que, com tamanha criatividade, nunca tenhamos conseguido um Prêmio Nobel. Nenhum. Talvez porque a criatividade não esteja bem alinhada ao prêmio de engenho e serviços à Humanidade. Talvez porque ainda não inventaram um Prêmio Nobel de Criatividade. Enfim, mesmo com tantos prodígios, não ter nenhum Nobel será nossa pena por um longo tempo.
Outra forma de pensarmos o realismo político – e aqui iniciamos uma espécie de bricolagem (gambiarra positiva) – se apresenta quando analisamos o rescaldo ou reflexo do dia 7 de Setembro deste ano, em comparação ou confronto ao proposto dia 2.10.2021. O que foi o dia 7 de Setembro? Foi uma tentativa de autogolpe do então presidente da República. Qual pode ser o vir-a-ser do dia 2 de Outubro? E isso é amanhã.
O dia de amanhã se propõe como resposta antigolpista, com uma frente relativamente ampla de segmentos e de setores políticos, sindicais, sociais, e até de representação dos representantes do grande capital. O PIB deve estar em algum lugar dos comícios amanhã.
Onde está, nesse exemplo, nossa criatividade política? Está no fato de juntaremos alhos com bugalhos para engrossar o coro de #Forabolsonaro. Teremos nos mesmos palanques ou nas mesmas calçadas, isso é praticamente certo, partidos como PT e PSDB: inimigos históricos – não apenas adversários. Também devem desfilar inúmeros setores do centro político (quem sabe o Centrão com seus emissários), o mesmo MBL que naufragou no dia 12 de Setembro: esse dia teve o Ciro Gomes, e que deve ter se arrependido até o último fio de cabelo por ter participado do fiasco.
A pergunta final, por hoje, é essa: faremos um coro só, como num grito de Diretas Já! ou não teremos criatividade para perceber que “o inimigo do meu inimigo é meu maior amigo”? Essa resposta, outra do realismo político (validado por Maquiavel), nós teremos amanhã.
(Vinício Carrilho Martinez é cientista social na UFSCar e André César é cientista político)