Dois mil nomes de brasileiros no escândalo do Pandora Papers

Dinheiro mãos
Para ter acesso e direito a herança é preciso seguir algumas formalidades/Arquivo/Depositphotos
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Muitos dos envolvidos estão ligados às investigações da CPI da Covid no Senado Federal

Cerca de 2 mil brasileiros foram identificados como sócios de empresas abertas em paraísos fiscais, conhecidas como offshores, que tiveram documentos vazados para o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês) e analisados em parceria com veículos de comunicação, nos Pandora Papers.

Entre esses nomes, estão figuras relevantes da gestão da economia brasileira, como o ministro da Fazenda, Paulo Guedes, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e empresários bolsonaristas sob investigação da CPI da Pandemia e do Supremo Tribunal Federal sobre o financiamento de redes de disseminação de notícias falsas, como Luciano Hang e Otávio Fakhoury. Texto elaborado pela Agência DW.

Também aparecem na lista os donos da operadora de saúde Prevent Senior, no alvo da CPI sob acusações de incentivo à prescrição para pacientes de covid-19 de medicamentos sem eficácia contra a doença e de ocultação de mortos pelo coronavírus em atestados de óbito.

Outros empresários na lista são Flávio Rocha, dono da Riachuelo e apoiador de Bolsonaro, e Rubens Menin, que controla a rede CNN Brasil, além da construtora MRV e do banco Inter.



No Brasil, a investigação dos Pandora Papers foi realizadas pelos portais Poder360 e Metrópoles, pela revista Piauí e pela Agência Pública. No total, foram identificados 1.897 brasileiros como sócios de offshores. Entre eles, estão 66 dos maiores devedores brasileiros de impostos, cujas dívidas somam R$ 16,6 bilhões.

Ter empresas offshores é permitido pela legislação brasileira, desde que elas sejam declaradas à Receita Federal e, caso o patrimônio delas supere 1 milhão de dólares, também ao Banco Central. Em geral, as empresas são registradas em paraísos fiscais como as Ilhas Virgens Britânicas e o Panamá por escritórios especializados em oferecer esse serviço, e não precisam recolher impostos a esses países nem são alvo de auditoria contábil. As contas dessas empresas, porém, ficam em bancos de nações mais estáveis, como na Suíça.

A abertura de empresas em paraísos fiscais por brasileiros pode ser uma forma de reduzir o pagamento de impostos relativos a investimentos no exterior ou para proteger ativos contra riscos políticos, penhora judicial e confiscos.

A seguir, mais detalhes sobre as offshores de alguns brasileiros revelados pelos Pandora Papers.


Paulo Guedes

O ministro da Economia, que chefia a pasta à qual está subordinada a Receita Federal, responsável pela arrecadação de tributos e atuações fiscais, é dono de uma offshore sediada nas Ilhas Virgens Britânicas identificada nos Pandora Papers.

A empresa chama-se Dreadnoughts, foi aberta em setembro de 2014, tinha patrimônio de 8,5 milhões de dólares (R$ 46,2 milhões) e segue ativa. Também são sócias da offshore a mulher e a filha de Guedes.

O Ministério da Economia afirmou, em nota, que a offshore de Guedes foi declarada à Receita Federal e à Comissão de Ética Pública antes de ele assumir o cargo. O ministro também disse que, ao ser nomeado para a pasta, “se desvinculou de toda a sua atuação no mercado privado”.

A revelação sobre a offshore de Guedes teve grande repercussão em Brasília nesta segunda-feira (04), e deputados e senadores de diversos partidos apontaram possível conflito de interesse na manutenção de uma offshore ativa pelo ministro.

O líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), afirmou que apresentará pedido de convocação para Guedes explicar o tema e para que o Ministério Público Federal analise a abertura de uma ação de improbidade administrativa contra o ministro. O procurador-geral da República, Augusto Aras, disse que fará uma “averiguação preliminar” e ouvirá Guedes sobre o tema.

O líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), apresentou uma notícia-crime no Supremo Tribunal Federal, pedindo que seja avaliado o eventual cometimento de ilegalidades pelo ministro da Economia em relação à sua offshore.

Dólar contagem
Brasileiros com dinheiro têm colocado seus lucros em paraísos fiscais/Arquivo



Roberto Campos Neto

O presidente do Banco Central aparece nos Pandora Papers vinculado a duas offshores no Panamá, a Cor Assets e a ROCN Limited. A primeira foi criada em 2004 com aporte inicial de 1,09 milhão de dólares (R$ 5,9 milhões) e foi encerrada em agosto de 2020. A ROCN foi criada em 2007 e encerrada em 2016.

Campos Neto também mantém outras offshores, como relatou ao Senado no início de 2019, durante sua sabatina para ser nomeado ao cargo.

O presidente do BC afirmou que todo seu patrimônio no Brasil e no exterior é declarado e que ele parou de fazer movimentações assim que assumiu o cargo no governo.

Em sua queixa-crime ao Supremo, Randolfe também pediu que seja avaliado o eventual cometimento de ilegalidades por Campos Neto.

Luciano Hang

O empresário dono da rede de lojas Havan abriu em 1999 nas Ilhas Virgens Britânicas a offshore Abigail Worldwide.

A empresa permaneceu irregular, sem ser informada às autoridades brasileiras, até 2016, quando Havan aproveitou a lei da repatriação, sancionada pela então presidente Dilma Rousseff, para declará-la. A norma autorizou a regularização de recursos mantidos no exterior mediante pagamento de imposto e multa.

Em 2018, a Abigail Worldwide tinha 112,6 milhões de dólares (R$ 613 milhões) em ativos. O empresário disse que mantém recursos fora do país para se proteger de variações da cotação do real, já que trabalha com importação de produtos. A empresa é hoje incorporada pela Havan.

Hang é aliado de Bolsonaro e costuma propagar um discurso nacionalista em suas manifestações e nas peças publicitárias da sua empresa, e uma de suas marcas pessoais é o uso de vestimentas nas cores verde e amarela, da bandeira brasileira.

Ele é alvo da CPI da Covid, que apura seu papel no incentivo ao uso de medicamentos sem eficácia contra a covid-19, e investigado pelo Supremo em um inquérito sobre o financiamento de redes de distribuição de notícias falsas para atacar instituições democráticas.

CPI da Covid Luciano Hang senador Marcos Rogério
Luciano Hang na CPI da Covid abraça o senador Marcos Rogério/Arquivo/Roque de Sá/Agência Senado



Otávio Fakhoury

Outra pessoa no alvo da CPI da Covid que apareceu nos Pandora Papers é o empresário Otávio Fakhoury. Ele é investigado pela comissão e em inquéritos no Supremo sobre o financiamento da divulgação de notícias falsas e organização de atos antidemocráticos.

Ele atua no ramo imobiliário e foi militante do grupo Vem Pra Rua durante os protestos pelo impeachment de Dilma. Fakhoury também é um dos idealizadores do partido Aliança pelo Brasil, que Bolsonaro tentou criar, mas que ainda não obteve o número mínimo de assinaturas necessárias.

O empresário é sócio de uma offshore sediada no Panamá, com ativos que chegam a 3 milhões de dólares (R$ 16 milhões), segundo os documentos dos Pandora Papers, e de outra empresa nas Ilhas Virgens Britânicas, constituída em maio de 2009 com capital inicial de 50 mil dólares (R$ 272 mil).

Ele afirmou à Agência Pública que a offshore é declarada e apresentou comprovantes da declaração de Imposto de Renda confirmando isso, e que a usa como uma estratégia de “planejamento fiscal”.

Durante o depoimento de Fakhoury à CPI, na última quinta-feira, o senador Humberto Costa (PT-PE) afirmou que parte do dinheiro que teria financiado sites e blogueiros que disseminam notícias falsas no Brasil viria de offshores, conforme indicam quebras de sigilo bancário.

Irmãos Parrillo

Os irmãos Andrea, Fernando e Eduardo Parrillo, donos da operadora de saúde Prevent Senior, que está sob investigação da CPI e do Ministério Público sobre a prescrição de remédios sem eficácia contra a covid-19 e ocultação de mortes pela doença em atestados de óbito, são outros brasileiros identificados nos Pandora Papers.

Eles aparecem ligados a quatro offshores em São Cristóvão e Névis, paraíso fiscal no Caribe: Shiny Developments Limited, Luna Management Limited, Hummingbyrd Ventures Limited e Grande Developments Limited, que totalizam quase 9 milhões de dólares (R$ 49 milhões) em ativos.

Andrea aparece ligado às offshores Shiny e à Luna, com cerca de 3,7 milhões de dólares (R$ 20,1 milhões) em ações e investimentos. A Hummingbyrd é ligada a Fernando, que tem 3 milhões de dólares (R$ 16,3 milhões) em investimentos diversos. Já a Grande Developments é vinculada a Eduardo mantém 2 milhões de dólares (R$ 10,9 milhões) em aplicações.

A assessoria de imprensa da Prevent Senior afirmou que “todas as movimentações são declaradas” às autoridades brasileiras.



Flávio Rocha

Proprietário do grupo Guararapes, que controla a varejista Riachuelo, Rocha também é ativo politicamente e em 2018 chegou a ser pré-candidato à Presidência da República pelo PRB, hoje Republicanos. Naquele ano, ele desistiu da candidatura e se juntou à campanha de Bolsonaro.

Ele aparece nos Pandora Papers como diretor reserva da offshore Cruzcity Holdings, criada 2016 e com ativos de 1 milhão de dólares (R$ 5,4 milhões), que tem sua esposa como diretora principal. Rocha afirmou que seus investimentos são declarados às autoridades brasileiras.

Rubens Menin Rádio Itatiaia MRV
Rubens Menin (esquerda) é dono da franquia da CNN Brasil/Arquivo/Instagram

Família Menin

A família do empresário Rubens Menin, dono do banco Inter, da rede CNN Brasil e da construtora MRV, é listado nos Pandora Papers como sócio de quatro offshores nas Ilhas Virgens Britânicas: Costellis International, Remo Invest, Stormrider Investments e Sherkhoya Enterprises Ltd, com pelo menos 82,2 milhões de dólares em ativos (R$ 447 milhões).

A Costellis é a dona de uma iate de luxo Dokinha V, no valor de 75 milhões de dólares (R$ 408 milhões), que tem 33 metros de comprimento e fica ancorado na Flórida. Menin afirmou que todas as empresas foram declaradas às autoridades brasileiras, e que as duas últimas já foram encerradas.


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