As novas gerações tem hábitos de consumir conteúdo muito distinto do que tínhamos
Por Charles Machado – SC
No vaivém do valor das ações da Netflix, que flutuam ao sabor do número de assinantes do seu serviço de streaming o que não faltam são viúvas da Tv aberta acreditando que a empresa bateu seu teto de assinante e que se modelo já será ultrapassado.
Como se cada freio de arrumação nos serviços de streaming fosse o registro do fim de uma era, se esquecendo que o espaço para o consumo de produtos de streaming tem ainda algumas variantes para serem adicionadas pelos gigantes.
Primeiro. com a ampliação da cobertura, pois quase 3 bilhões do pessoas do planeta ainda não tem acesso a internet, depois pela modificação dos hábitos, ao contrário da TV aberta, os canais de streaming mudaram nossos hábitos. E logo a audiência da TV aberta começou a derreter em uma espiral acentuada anualmente.
As novas gerações tem hábitos de consumir conteúdo muito distinto do que tínhamos. Se antes na sala de estar de uma casa a família inteira assistia a novela das oito, hoje cada pessoa pode estar em um cômodo da casa assistindo uma programação customizada pelos canais do streaming. E mesmo quando estão na sala vendo um jogo ou acompanhando o noticiário, o fazem com seus celulares na mão, em uma disputa dilacerante pela sua atenção. Que se danem os anunciantes que gastam a cada dia mais para reter menos atenção, o resultado é uma necessidade cada dia maior de ampliar o investimento em marketing colhendo a cada dia menos a atenção dos consumidores.
A economia que se move pela disputa da sua atenção move também produtoras de conteúdo, produtoras de meio para exibição desse conteúdo, mas nesse artigo destaco as plataformas de streaming na disputa da sua atenção, e o seu valor de mercado.
Desde o fim de 2021, com a redução dos nossos períodos em casa devido ao avanço da vacinação no mundo, alguns canais de streaming sentem a queda do número dos seus assinantes, e com isso do seu valor de mercado. Movido pela redução da expectativa do crescimento e por óbvio do resultado, no caso da Netflix, os números parecem prever uma saturação de seu mercado, mas qual seria o problema?
As evidências são claras bem como o receituário que todos os canais de streaming estão tomando parece ser o mesmo: luta firme contra o compartilhamento de senhas, introdução de publicidade para usuários da faixa de preço mais baixa, conteúdo ao vivo, concursos, comédia ao vivo e afins, e, claro, a redução de pessoal.
Compartilhamentos e empresas piratas
Combater o compartilhamento de senhas? Bem, se um percentual significativo de seus usuários não está pagando pelo serviço, mas usando as senhas de outros, pode significar um certo dreno de recursos. A visão usual de Reed Hastings, desde as origens do projeto, foi que algo assim não prejudicava a empresa. O mesmo modelo de muitas empresas de softwares que faziam vista grossa pela baixa de programas piratas, ou seja, é melhor espalhar no início o hábito para depois apertar e cobrar a conta.
Publicidade? Limitada a um certo grupo de usuários que concordam em pagar menos em troca de serem interrompidos por anúncios, o impacto pode não ser muito alto, mas, sem dúvida, ele se afasta da cultura tradicional de respeito ao conteúdo que prevaleceu no Netflix original. Esse tipo de coisa funciona como uma ladeira escorregadia: você começa com “apenas para alguns usuários” e “apenas no início de cada episódio”.
Você acaba colocando um corte no meio da cena chave de um filme cult, ou colocando um macaco para apertar o botão como muitas redes de televisão tradicionais fazem. Ou seja, vamos colocando até eles reclamarem, fazendo a medida da relação de qual é o número ideal de inserções sem perder a atenção.
O desafio financeiro, imposto pelo mercado de capitais, leva muitas empresas ao caminho das soluções tradicionais, que envelhecem o que era novo, o que já vimos acontecer na Apple que quase faleceu nas mãos de John Sculley. Ele transformou o Yahoo! em uma caricatura de si mesmo com Terry Semel ou Google, em uma empresa que perdeu seu lema e sua identidade sob Eric Schmidt, todos executivos tradicionais, que não entenderam o que é gerir uma empresa disruptiva.
A velha estratégia das TVs abertas
O isomorfismo pode acontecer, porque as formas não-ótimas são excluídas de uma população de organizações, ou porque os tomadores de decisões nas organizações aprendem respostas adequadas e ajustam seus comportamentos de acordo com elas, no típico copiar o tradicional.
Onde ficam os novos mercados? Os novos produtos? Os novos serviços? A perpetuidade de um negócio reside em um Steve Jobs, que lança um celular com tocador de música, mesmo quando o seu tocador de música tradicional tenha mais de 62% do mercado? Você consegue imaginar isso na sua empresa, lançar um novo produto que mate o seu líder de vendas?
As plataformas atingiram diversos setores do entretenimento e da economia organizada na medida que, como negócio, tocam no mesmo lugar do consumidor, seu bolso, logo na atual sociedade, como em toda história, todos os negócios concorrem sempre pelo bolso do consumidor. As plataformas de streaming concorrem com outras plataformas, seja elas de música ou de filmes, mas concorrem também com a TV aberta,TV fechada, cinema, plataformas de streaming de música, YouTube. Tudo dentro da lógica da “economia de atenção”, que eu chamo de economia da desatenção que disputam seu tempo e seu bolso.
No passado, havia fatos claros sobre o sucesso do entretenimento. Um filme vendeu um certo número de ingressos na bilheteria. Todos sabiam quando algo era um sucesso ou um fracasso. Porém o streaming removeu esses critérios, e mesmo que a Netflix tenha começado a publicar alguns números de audiência, ela está limitada ao conteúdo mais popular.
Não é de hoje que o uso de dados serve de alicerce para o planejamento e ação da Netflix e o tempo provou como essa estratégia lhe deu uma clara vantagem sobre estúdios tradicionais que tomaram decisões baseadas no “feeling” de um gerente. Os números da plataforma e seu resultado comercial nos dão evidências tangíveis sobre o resultado dessa estratégia.
Enquanto isso, as TVs abertas repetem velhos hábitos, com apresentadores carimbados que pouco ou quase nada comunicam com as novas gerações, e seguem sem entender que a Tv virou um estágio do foguete para impulsionar outros negócios sinérgicos ou não com a TV, mas que precisam nascer para gerar novas receitas.
O momento é claro, pois enquanto os canais de streaming pegam um resfriado, as tvs abertas que não se reinventam pegam uma pneumonia e ficam a espera de remédios salvadores.