A fome no Brasil, como se sabe, campeia grande e solta em todos os lugares
Por Vinício Carrilho Martinez e André César
Dizes o que comes, e direi quem tu és
O “novo normal” no Brasil é a miséria, a fome, a desordem e a desesperança. O “novo normal” é a velha compra e venda de votos – só que tudo isso não é auditável. Para o Fascismo é apenas normal, tudo que é anormal para a dignificação humana. Coronelismo, enxada e voto ao modo século XXI.
A última pesquisa divulgada (BTG/FSB), a primeira sob a remessa do auxílio emergencial, trouxe uma novidade a ser considerada: acendeu o sinal amarelo de quem esperava uma derrota já no 1º turno deste governo que capturou o Estado.
A fome no Brasil, como se sabe, campeia grande e solta em todos os lugares: pessoas comprando osso de 1ª e de 2ª, pele de frango, os remediados trocando uma refeição completa – o chamado PF (prato feito) – por lanches mais baratos, 15 milhões de desempregados – sem contar os desalentados -, dezenas de milhares de famílias com insuficiência alimentar estão à nossa volta, em todo o país.
Então, se o Palácio consegue transformar os rendimentos (dividendos) das estatais – listadas na Bolsa de Valores (B3) – em algum refresco que compre alguma comida, é óbvio, os que passam fome respondem positivamente. Afinal, o estômago faminto não quer saber de onde vem a comida.
A venda da Eletrobrás também turbinou os cofres públicos, mas o governo rentista – que compra votos, depois de ter colocado o eleitor na miséria –, efetivamente, para falar apenas das maiores, fez um enorme banquete com os lucros do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal, Petrobrás e com a BB Seguridade.
Parodiando a Grécia antiga, em que o mito nos contava do Banquete dos Deuses – com os indivíduos convocados a ascender à Política (Polis) –, podemos dizer que, por aqui, os famintos só receberam as migalhas que caíram do prato palaciano.
Lembremos um pouco da fartura palaciana: toneladas de leite condensado, picanha de mil reais…Parodiando, portanto, nós temos um Banquete dos Aflitos. A aflição da fome instalada, corrosiva, é certamente a pior maldade que se pode fabricar e o Brasil atual é uma fábrica de famintos, famélicos, miseráveis de todo gênero.
É claro, então, que as benesses colhidas na B3 teriam impacto: vota-se pelo estômago.
A outra questão, no pano de fundo institucional, reforça-nos a certeza de que o Estado foi capturado pelo governo. E aqui há problemas de todo tipo, desde a subversão da primeira regra: o Estado é perene, tem instituições seculares (a começar do Banco Brasil), é direcionado a suportar todos os governos que transitam periodicamente, é financiador das políticas públicas, responsável (juridicamente) pela própria democracia. O Estado é a instituição por excelência: veja-se, em outro exemplo, quando se fala em Estado-Nação. É esta combinação que define o que é o povo, a soberania, que promove a distinção entre o “governo das leis” e o “governo dos homens”.
O governo, ao contrário, é transitório, volúvel às inclinações eleitorais, é o próprio resultado do “governo dos homens” – no caso atual, é o pior possível, uma vez que provocou a desordem no país, quebrou a economia, a soberania, trouxe a miséria galopante de volta e agora compra esses votos, com os recursos que pertencem ao povo brasileiro.
O Estado é a instituição das instituições. É o Estado, a racionalidade burocrática, organizacional, legal, quem define e fiscaliza as demais instituições. O governo é uma dessas instituições, a presidência é outra – com funções e liturgias específicas. Só que, desde o Golpe de Estado de 2016, tudo isso se inverteu: a desordem foi programada aí, nesse momento.
Quando a presidência diz (aparentemente, não diz mais) que irá acionar “As minhas forças armadas”, está tão-somente fazendo jus ao governo que capturou o Estado; precisamente porque as Forças Armadas são destinadas à segurança da Nação e do próprio Estado. Porém, ainda nos revela outros aspectos: aqui não se capturou o Estado unicamente enquanto instituição em si. Capturou-se, com o sentido de aniquilamento, o Estado Democrático de Direito.
Estamos bem longe do Gripo do Ipiranga, no entanto, esse eterno retorno dos piores mitos nos trouxeram esse tipo de governo: sequestrador do interesse nacional. A ameaça (ou ameaças seguidas) de quebra institucional (golpe) não foi liquidada. Por enquanto, a compra do voto pelo estômago deve lhe fornecer crença nas urnas eletrônicas (negadas, até então), mas, o teste final será no dia 7 de setembro. Se for no estilo de Collor, com caras-pintadas vestidas de preto, luto severo, estará liquidado – ou pronto a dar outro golpe. Se tiver mais do que meia dúzia de gatos pingados, deverá apostar nas mesmas urnas eletrônicas que o elegeram, mas que agora não para de atacar com fake news.
Realmente, esse país não é fácil – alguém disse, há muito tempo, que não somos um país para amadores. Realmente, não somos. Vejamos.
(Vinício Carrilho Martinez é professor de Teorias do Estado e André César é cientista político)