A internet e mais recentemente as redes sociais, criaram novas tornozeleiras eletrônicas e isso gerou um novo tipo de solidão
Por Charles Machado – SC
Uma recente pesquisa realizada pela empresa americana de pesquisas, Harris Poll, e divulgada pela líder mundial em mídia de negócios, Harris Poll, revelou que os Millenials (geração Y nascida entre 1981 e 1996), gostariam de viver em uma era mais simples, antes da internet e dos smartphones, antes de todos estarem obcecados por telas e redes sociais.
Aparentemente, os problemas desses adultos geralmente se relacionam com as redes sociais e seus efeitos. Uma inovação que pode, de fato, gerar uma certa polarização e que está longe de ter sido corretamente assimilada pela sociedade como um todo, especialmente derivada de uma mediatização de seu uso como forma de espionagem e manipulação coletiva.
Na prática tem a capacidade de gerar uma sociedade mais e melhor informada, ou melhor desinformada dependendo é claro do viés ideológico e apaixonado por falsos mitos e por teorias da conspiração pelo fim do mundo, seguindo a lógica de que informação boa é só aquela que não conflita com o que eu penso do mundo.
Voltando ao passado, uma impossibilidade conceitual, quais situações você lembra da vida antes da internet às quais você realmente não gostaria de voltar? E, ao contrário, que situações eram, supostamente, muito melhores do que agora?
A internet e mais recentemente as redes sociais, criaram novas tornozeleiras eletrônicas, os celulares que não só nos acompanham por todos os lugares onde andamos, como comunicam para uma série de fornecedores, conhecidos e desconhecidos sobre o que estamos fazendo, gostamos, odiamos ou estamos interessados. E isso gerou um novo tipo de solidão, afinal se dizem que a pior solidão é aquela que vivemos a dois, pois a tecnologia conseguiu superar esse conceito, provando que a solidão digital pode ser aquela que vivemos junto com dezenas, centenas ou milhares.
Infelizmente, como resultado do uso excessivo desses meios para a comunicação, o que ocorre na maioria dos casos é que, mesmo que o indivíduo considere que tem muitos amigos, ele acaba se sentindo cada vez mais sozinho. Como somos vulneráveis à solidão, nos apegamos cada vez mais à tecnologia para tentar preencher esse vazio.
Isso porque as redes sociais trazem a impressão de que você pode passar uma imagem beirando a perfeição; sempre será ouvido e nunca estará sozinho. Assim, muitos passam a querer cada vez mais compartilhar experiências online para se sentirem “vivos” e “fazendo parte de um grande grupo”, e é por essas razões que a tecnologia mudou o conceito de estar sozinho e de sentir solidão.
O problema ganhou dimensões globais, ao ponto de em 2018 o Reino Unido ter anunciado a criação de um Ministério da Solidão, e os números justificam o que parece ser uma piada no primeiro instante, pois nos Estados Unidos, 20% da população afirma sofrer com a solidão, já no Reino Unido, essa é de 33% das pessoas acima dos 50 anos.
As redes sociais e os aplicativos de mensagem trataram então de consolidar os laços em grupos, comunidades e outras agremiações. Nunca estivemos tão próximos, porém essa mesma tecnologia que está nos afastando cada vez mais do verdadeiro convívio com o outro.
Um sintoma dessa verdadeira epidemia de solidão é a normalização da ideia de que, a todo momento, temos direito a ter uma experiência customizada em nossa tela, em universos digitais paralelos desenvolvidos pelos algoritmos de registro de hábito (aprendizado de máquina) que faz com que tenhamos a falsa ilusão que somos únicos.
As redes sociais, nesse caso, na procura por oferecer um conteúdo cada vez mais atrativo para nós (seus usuários), logo quanto mais relevante for o conteúdo postado por nós, maior será o tempo gasto na plataforma, clicando, interagindo e vendo anúncios.

Passamos a ter uma vida digital paralela
Logo acabamos nos acostumando com o fato de que tudo o que vemos foi selecionado previamente para atender os nossos gostos, e assim passamos a ter uma vida paralela digital devidamente customizada, o que para muitos pode ser chamado de “bolha”. E o celular acabou virando rota de fuga, quantas e quantas vezes olhamos casais em pleno restaurante, um diante do ouro e ambos com seus olhares no celular, e desde quando nos tornamos desinteressantes?
O celular parece ter virado, uma rota de fuga para todo pequeno momento de tédio, aborrecimento ou que simplesmente parece não merecer a sua atenção integral. E essa fuga, pode não apenas ser desrespeitosa com o seu interlocutor, como também reforça a ideia de que, mesmo na companhia de outros, só prestamos atenção ao que nos interessa, saímos assim do utilitarismo das coisas para o utilitarismo das relações pessoais.
A solidão reinventada tem também outros fatores que ajudam a montar esse mosaico, como a ascensão da inteligência artificial, a automação de serviços e o próprio ambiente por vezes hostil da rede, que mais afasta do que aproxima as pessoas. Cada um deles merecia um texto próprio, mas optamos por ficar por aqui com essa solidão escondida das mensagens instantâneas e das redes sociais. Mas afinal quantas curtidas você precisa? Qual o seu texto mais compartilhado? O que representam esses likes?
As questões acima refletem a pobreza do mundo atual que tenta desenhar sua vida e seu valores através da profundidade das redes sociais, como se você fosse apenas o que publica, curte ou compartilha.
Logo, sabendo que são muitos os motivos que nos levam a entrar em redes sociais, solidão, reconhecimento, divulgação do trabalho profissional, não importa os motivos, mas sim o uso que você faz dela, e entre tantos a vaidade tem seu lugar de destaque, parecendo funcionar feito fermento, catalisando seus efeitos e resultados.
Se não tivéssemos vaidade, o que seria dos filtros e ajustes tecnológicos nas fotos? Fazemos parte das redes sociais, quase sempre por puro prazer, ainda que para alguns seja uma tortura, e quem disse que não há prazer na dor?
Criamos assim o conceito da indiferença digital, onde o tempo de resposta mudou para uma conveniência de aflitos, onde tudo nos deixa inquietos, uma inquietude prejudicial a saúde e as relações humanas.
Com o tempo, mudaram as nossas fotos, a forma de contar a nossa história e a forma de vermos o tempo, a métrica do tempo continua sendo a mesma, afinal após 60 segundos chegamos a um minuto, mas a angústia da era digital faz com que a nossa relação com ele seja de absurda escravidão, logo cobramos tudo bem mais rápido e ficamos impacientes uns com os outros.
No fundo entre idas e vindas, entre tantas postagens e redes sociais procuramos nelas um espaço de paz, nessa que é a nossa maior carência, a paz de espírito.