Os animais não usam a régua do dinheiro e do luxo para definir seu amor. É só uma confiança simples e natural
Por Gilmar Corrêa – DF
Moro perto de um desses supermercados pets, onde se pode comprar tudo pra cachorro, gato e outros animais domésticos menos populares. Tem brinquedos para os totós, ração de todos os tipos e preços, vitaminas e apetrechos.
O movimento é intenso durante o dia e à noite. Como nos supermercados pra gente, esse também funciona 24 horas. É um exemplo de como está aquecida essa indústria bilionária.
Li que o pet vet (produtos veterinários) deve representar 15% do faturamento da indústria brasileira, com R$ 6,87 bilhões e crescimento de 16% em relação a 2022.
O pet care (produtos de bem-estar e higiene) deve representar 7% do faturamento da indústria, com R$ 3,08 bilhões e crescimento de 15% em relação ao ano passado.
A indústria de produtos para animais de estimação no mundo deve encerrar 2023, com um crescimento de 10,6% em seu faturamento, com um valor de R$ 46,42 bilhões.
Hoje tem gente que dá mais valor ao cachorrinho a uma criança. Não quero entrar na polêmica dessa discussão sobre os números e preferências, mas oito crianças são abandonadas por dia no Brasil. É uma imensa lista de prioridades humanitárias que nós, humanos, desumanizamos.
Os animais não usam a régua do dinheiro e do luxo para definir seu amor. Tem cachorrinho e gato tratado com toda a mordomia, mas é capaz de abandonar o dono num piscar de olhos. Seu compromisso é outro: é a confiança e a relação simples e reta da cumplicidade.
No Distrito Federal, existe de 5 a 7 mil pessoas (dependendo da estatística) morando em situação de rua. Muitos, mas muitos mesmo, tem um, dois, três e até quatro cachorros como companheiros.
Esses bichos não têm coleira, corrente ou guia para prendê-los. Andam juntos, dormem juntos, compartilham a pouca comida e o nada.
Vi – num dia desses -, um animalzinho caminhando com uma senhora empurrando um carrinho de supermercado com um colchão velho. Os dois atravessaram ruas e seguiram pelas calçadas. O animal acompanhando o tempo todo, sem disparar ou assustar. Estava completamente à vontade.
Noutra oportunidade, vi um homem dormindo sobre o gramado a poucos metros da calçada. Com ele, dois ou três cachorros. Deitados, dormindo, compartilhando a cumplicidade do descanso. Sem coleiras, sem cordas, sem corrente. Sem amarras. É a pura e legítima concepção de tutor e tutorado.
Há alguns anos, meu filho tinha um cachorro. Pegamos ele para adoção, Era muito dócil, muito educado, um companheirão em casa com a porta fechada. Mas sem a guia, disparava na rua e não olhava pra trás. Talvez fosse a saudade dos antigos donos (ops!!!), sei lá.
Apesar de todos os cuidados, não tínhamos a legitimidade do que vi entre os moradores de rua e seus companheiros.
Estabelecer confiança, está provado, não depende de dinheiro, de poder ou do luxo. Nesse caso, é só uma confiança simples e natural entre homem/mulher e o animal.