Radicalmente contrário à mudança da capital do Rio, o futuro governador do Estado da Guanabara, pronunciou violento discurso contra Brasília
Por Sérgio Botelho – DF
No dia 6 de julho de 1960, em Brasília, praticamente se despedindo da tribuna, onde liderava a oposição, Carlos Lacerda (1914-1977) discursou no plenário da Câmara, em Brasília.
Natural do Rio, militante da União Democrática Nacional (UDN), Lacerda, no parlamento, era o principal adversário do presidente Juscelino Kubitschek (1902-1977), grande responsável pela construção de Brasília.
Radicalmente contrário à mudança da capital do Rio para o Planalto Central, o futuro governador do Estado da Guanabara, na eleição ocorrida logo depois, em outubro, pronunciou violento discurso contra Brasília, rebatendo de forma radical, com afirmações bem rasteiras, devidamente contrariadas pelo tempo, o argumento de integração nacional como justificativa para a edificação da nova capital:
“A integração está feita há quatro séculos, desde que se furou a linha do Tratado de Tordesilhas. Pensei que não fosse mais necessário fazê-la, porque o que faltava fazer fizeram-no dois homens: Rio Branco e Rondon. Não sabia que era preciso o senhor Israel Pinheiro…”.
Vejam só a que ponto o radicalismo conduz! No discurso atacou a arquitetura de Niemeyer, segundo sua linguagem “mausoléus da desnecessidade”.
E continuou revelando a superficialidade com que muitas vezes o discurso político se conduz: “que cidade irracional, desde essa tribuna, que ela própria subterrânea e indefinida, que nos deixa mal à vontade porque não sabemos se estamos numa banheira, num taque de lavar roupa ou numa tribuna parlamentar, até esse palácio, como até o hotel e tudo o mais, com a obsessão do subterrâneo, como se tivesse neurose profunda dos seus idealizadores.
Dir-se-ia que nessas planuras imensas a obsessão foi de cavar a terra e nos transformar numa Nação de tatus…”.
O discurso comportou ainda, com relação a Brasília considerações tipo “capital do desperdício”, “monumento do supérfluo”, “tumba da glória fátua de um homem”, se referindo ao então presidente que, segundo ele “cava no seu monumento a sua própria sepultura”.
Em 1964, os militares tomaram o poder cassando Juscelino quase que imediatamente. Na oportunidade, Lacerda, governador da Guanabara, apoiou a ascensão de Castelo Branco à presidência da República.
Isso não impediu que em 1968 ele também fosse cassado, após ter se reunido com Juscelino e João Goulart na histórica Frente Ampla, pedindo eleições diretas no país. São as curvas e as esquinas e as travessas e os becos da política brasileira.
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