Feminismo não é opinião, mas necessidade

Mulheres feminismo manifestação Misto Brasil
A luta das mulheres é por conquistas e igualdade com os homens/Arquivo

Embora cada pessoa tenha o direito de ter sua própria opinião, a postura antifeminista de algumas mulheres pode gerar consequências prejudiciais e violentas

Por Clarice Binda – DF

Muitas mulheres vem se autodeclarando antifeministas, principalmente nos últimos anos, quando uma agenda neoconservadora ganhou terreno fértil no Brasil.

O antifeminismo é uma posição que se opõe às ideias defendidas pelo feminismo, com rejeição ou desdém as conquistas e os propósitos do movimento feminista, muitas vezes argumentando que ele não representa seus interesses ou que suas demandas são exageradas.

Contudo, essa visão pode trazer implicações significativas não só para a luta do movimento social feminista, como, perigosamente, para as próprias mulheres autodeclaradas antifeministas.

Embora cada pessoa tenha o direito de ter sua própria opinião, a postura antifeminista de algumas mulheres pode gerar consequências prejudiciais e violentas, tanto para elas mesmas quanto para o avanço da igualdade de gênero de forma mais ampla na sociedade.

O feminismo foi responsável por conquistas importantes como o direito ao voto das mulheres (no Brasil, apenas em 1932 a mulher passou a ter esse direito, e, em 1965, o voto feminino foi tornado obrigatório, como o voto masculino), ao trabalho (o “Estatuto da Mulher Casada”, de 1962, definiu que a mulher não mais precisava da autorização para trabalhar fora), à educação (no Brasil, em 1827 as meninas são liberadas para frequentar a escola primária, e 1879, as mulheres puderam acessar as universidades) e à proteção contra a violência (Lei Maria da Penha, de 2006).

Negar ou se opor a esses avanços reforça os esterótipos de gênero que levam à desigualdade salarial, subrepresentação política feminina e a normalização da violência de gênero. Lembremos que, até 1916, pouco tempo atrás considerando que muitas avós, como a minha, nasceram antes disso, o marido podia aplicar castigos físicos à sua esposa, chegando ao ponto de tirar-lhe a vida se sobre esta pairasse suspeita de adultério (Ordenações Filipinas, em vigor até 31/12/1916).

Assim, a história nos permite perceber como está enraizado em nós, homens e mulheres, o pensamento natural de inferioridade e submissão das mulheres, já que isto foi repassado por gerações. Não é à toa que os números relacionados à violência contra a mulher são alarmantes.

Protesto mulheres 8 de março Misto Brasília
O empoderamento da mulher deve ser uma conquista diária/Arquivo/El País

De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, todos os casos de violência contra mulher aumentaram no ano de 2023. Só no ano passado foram 1.467 mulheres mortas por razões de gênero, o maior registro desde a publicação da lei que tipifica o crime, em 2015.

Além disso, em 2023, o Brasil registrou um total de 83.988 casos de estupros e estupros de vulneráveis, e um aumento de 6,5% em relação a 2022. A cada 6 minutos, uma mulher ou menina é vítima de estupro no Brasil.

Quebrar este ciclo, obviamente, é muito difícil e dolorido para todas as mulheres, mesmo as feministas, pois essa visão de emancipação das mulheres é ainda tida como uma traição aos valores tradicionais, o que gera, muitas vezes, retaliação ou rejeição das mulheres.

Dessa forma, mulheres em ambientes sociais onde o feminismo é ridicularizado ou tratado como um inimigo podem preferir alinhar-se com a visão majoritária, mesmo que isso, no fundo, vá contra seus próprios valores.

E isso tem um efeito nefasto nas futuras gerações, pois ao perpetuar visões contrárias à igualdade de gênero, mulheres antifeministas podem perpetuar um ciclo de discriminação e desigualdade, desencorajando meninas a buscar independência ou a lutar por seus direitos, cultivando as mesmas limitações que suas mães e avós enfrentaram e gerando novos ciclos de violência.

Ocorre que, quando essas mulheres declaradas antifeministas se dão conta da importância do discurso feminista, geralmente já se encontram numa situação de violência extrema que precisam de ajuda para sair.

E é o feminismo, que sempre combateu formas variadas de violência contra as mulheres, como o assédio sexual, a violência doméstica, patrimonial, psicológica, e o feminicídio, que salva estas mulheres.

Seja através da Lei Maria da Penha, que protege as mulheres contra a violência física, psicológica, moral, sexual e patrimonial, dando um suporte estatal mais efetivo para casos de violência doméstica e para receber proteção física e apoio psicossocial adequado (Lei n. 11.340/2006), seja pela própria ideia de sororidade.

A solidariedade entre mulheres, defendida pelo feminismo mais recente, que propaga o fortalecimento da rede de apoio e proteção entre as mulheres, o que é essencial para garantir avanços nos direitos das mulheres.

Não se negam às críticas ao feminismo, isso faz parte de toda luta coletiva, o que se desdobra, inclusive, em vários feminismos.

No entanto, tecer críticas com o objetivo de melhorar a luta social por igualdade de gênero, não deslegitima um movimento que não é só uma questão de opinião, mas uma necessidade para que mulheres de hoje, e de amanhã, possam sobreviver e viver com igualdade de condições e oportunidades, sem medo e com liberdade de escolha.

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