As redes sociais, embora privadas, desempenham um papel público fundamental. Elas são, de fato, os novos “espaços públicos” de debates
Por Clarice Binda – DF
A liberdade de expressão é um direito fundamental garantido por diversas constituições ao redor do mundo, incluindo a brasileira, prevista no artigo 5º, inciso IX, da Constituição Federal de 1988.
A possibilidade de manifestar suas opiniões, ideias e pensamentos, independentemente de censura ou outras formas de repressão prévia estão no cerne desse direito e representam os avanços das Constituições modernas, principalmente com as redemocratizações, após anos de ditaduras militares.
No entanto, a sua aplicação no ambiente digital, particularmente nas redes sociais, levanta questões jurídicas e sociais relevantes, especialmente quanto aos limites desse direito e à atuação das plataformas digitais, como o X/Twitter, na suspensão de perfis criminosos.
As redes sociais, embora privadas, desempenham um papel público fundamental. Elas são, de fato, os novos “espaços públicos” de debates, sendo utilizadas por figuras públicas, empresas, organizações governamentais e a população em geral. Esse cenário torna bem complexa a relação entre liberdade de expressão e o controle das empresas que administram essas plataformas, como o X/Twitter.
Apesar de a liberdade de expressão ser garantida constitucionalmente, não é um direito absoluto, como nenhum direito fundamental é, sendo o próprio texto constitucional que estabelece limites. Nas hipóteses nas quais o exercício da liberdade de pensamento e expressão fere direito constitucionalmente consagrado de outrem, há de existir a devida limitação e punição.
O mesmo artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, garante que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas.
Esses direitos individuais criam balizas para a manifestação de opiniões e conteúdos nas redes sociais. Além disso, as legislações infraconstitucionais, como o Código Penal, definem punições para a prática de calúnia, difamação e injúria, além de estipularem sanções para a disseminação de fake news e discursos de ódio.
Em janeiro deste ano, a Organização das Nações Unidas (ONU) emitiu um alerta contra o discurso de ódio nas redes sociais, dando destaque a um estudo sobre o crescimento do racismo no X/Twitter pouco depois da sua compra pelo empresário Elon Musk.
A ONU também criticou o que considera uma lacuna entre o compromisso das empresas de redes sociais e aplicação efetiva das políticas contra o discurso de ódio. Não por acaso, o X/Twitter é investigado pela União Europeia por disseminar informações falsas e discurso de ódio em violações diretas a Lei de Serviços Digitais (DSA).
Segundo a Comissão Europeia, a plataforma de Elon Musk tem a maior taxa de postagens de desinformação entre todas as redes sociais. O CEO do X criticou a Lei de Serviços Digitais da União Europeia, considerada a mais moderna legislação sobre a ação das grandes empresas de tecnologia em vigor no mundo.
O limite é para todos
No Brasil, Musk foi recentemente incluído no Inquérito das Milícias Digitais (Inq. 4.874) por ordem do ministro do STF relator do Inquérito, Alexandre de Moraes. O inquérito das milícias digitais tem como objetivo apurar a suposta atuação criminosa de grupos suspeitos de disseminar notícias falsas em redes sociais para influenciar processos políticos.
Por conta dessas investigações, o ministro Alexandre Moraes suspendeu o X/Twitter depois que a rede social descumpriu uma determinação do ministro que solicitava a indicação de um representante legal da plataforma no país.
Na decisão, Moraes considerou os “reiterados, conscientes e voluntários descumprimentos das ordens judiciais”. Também citou a tentativa do X de “não se submeter ao ordenamento jurídico e Poder Judiciário brasileiros, para instituir um ambiente de total impunidade e ‘terra sem lei’ nas redes sociais brasileiras, inclusive durante as eleições municipais de 2024”.
Após o cumprimento das exigências legais, incluindo o pagamento de multas que totalizaram R$ 28,6 milhões, aplicadas pelo descumprimento de decisões judiciais, e o bloqueio de perfis investigados, o X/Twitter voltou a funcionar no Brasil.
Esse episódio demonstra, com mais urgência, a necessidade de regulação das redes sociais, tal qual já ocorre em outros países, como os integrantes da União Europeia.
Apesar de o Brasil ter buscado estabelecer normas para o uso dessas redes, por meio do Marco Civil da Internet e do Projeto de Lei n.º 2.630/2020, conhecido como PL das Fake News. a ausência de uma regulação mais robusta e específica para o ambiente digital levanta questões sobre a responsabilidade das plataformas e a proteção dos direitos dos usuários.
No entanto, o avanço do campo da extrema direita na política brasileira dificulta o debate, o que acaba deixando à mercê do Poder Judiciário tal regulação, que já deveria ter sido alvo de legislação mais específica.
A aplicação de sanções, a remoção de conteúdos e a suspensão de contas por plataformas digitais têm sido criticadas por parte da sociedade como atos arbitrários, mas estes mesmos críticos também impedem o debate legislativo sobre a regulação das redes.
Portanto, enquanto não houver uma legislação específica que dê conta deste desafio pós-moderno das plataformas digitais, sendo esta regulação, obviamente, cuidadosamente equilibrada com os direitos fundamentais garantidos pela Constituição, só nos resta a salvaguarda do Poder Judiciário, com seus erros e acertos inerentes, para mantermos um ambiente social civilizatório com respeito à dignidade humana de todos os cidadãos brasileiros, a que todos devem se submeter, mesmo aqueles estrangeiros que auferem lucros extraordinários no nosso país.