Frequentemente, o lugar em que o “ribeirinho” é colocado, é o do equívoco, e frequentemente associado ao desenvolvimento sustentável
Por Francisco Neto Pereira Pinto
Nos últimos tempos, os povos ribeirinhos têm recebido mais atenção – da mídia, das organizações, de entidades, instituições e governos políticos. Uma prova concreta dessa crescente visibilidade é a tramitação na Câmara dos Deputados do Projeto de Lei 3738/21, já aprovado pela Comissão de Educação e Cultura do Senado.
O artigo busca chamar a atenção para a figura do “povo ribeirinho” no imaginário nacional, onde é visto como o guardião dos rios e das florestas, habitando especialmente os espaços amazônicos, embora esteja espalhado por todo o território brasileiro.
Frequentemente, o lugar em que o “ribeirinho” é colocado, é o do equívoco. A primeira imagem que povoa o imaginário nacional é a de um ser quase mítico, que viveria em comunhão com a natureza.
Por isso, o ribeirinho é frequentemente associado ao desenvolvimento sustentável, uma vez que sua subsistência estaria baseada na pesca artesanal, agricultura de subsistência e em práticas extrativistas.
No entanto, essa visão romântica e idealizada apresenta um problema significativo: ela une todos os sujeitos, populações e povos ribeirinhos em uma identidade coesa e unitária, fixa e cristalizada, cujas raízes se fincariam em um passado imemorial, ignorando a diversidade e a complexidade que os atravessa.
Um segundo prisma pelo qual o ribeirinho é visto é o do detentor de saberes, práticas e recursos úteis a todo tipo de progresso ligado aos rios, florestas e à ancestralidade. Alguns, como os cientistas, buscam alianças e parcerias, enquanto outros veem os ribeirinhos como obstáculos a serem removidos dos projetos de construção de hidrelétricas.
O perigo dessa concepção é que, frequentemente, essas abordagens exploram os desejos e as relações ambivalentes dos ribeirinhos com seu meio ambiente e com a sociedade. Vivendo em sociedades capitalistas, os ribeirinhos também cultivam ambições próprias do mundo consumista, o que muitas vezes resulta em um saldo de exploração para eles.
Por último, o ribeirinho é visto como sujeitos, comunidades e povos enquanto um fim em si mesmos, e não como meios para interesses de outros. Necessário, portanto, que lhes sejam reputados direito à autodeterminação e dignidade de usufruto da cidadania plena, como todo o restante da nação.
Quando respeitados em sua diversidade, singularidade e dignidade, as políticas públicas, os incentivos e todos os cuidados que lhes são endereçados colocam-nos como protagonistas de suas vidas e de seus destinos.
Essa é, sem dúvida, a melhor maneira de enxergar o ribeirinho que, como os demais povos tradicionais, têm sido alijados dos seus direitos e, em muitos casos, expropriados de suas vidas, nos sentidos simbólico e literal.
Que toda a atenção recebida ultimamente seja para o bem, e não para o mal, como acontece na maior parte do tempo.
Fica claro que o ribeirinho, enquanto uma categoria única, identificada a uma relação mítica ou até mesmo idílica, não existe.
O que existe é uma multiplicidade, diversa e singular, de sujeitos, comunidades e povos agenciados, por necessidade política, sob a identidade de ribeirinhos, cultivando as mais variadas relações com os rios, com as matas e com a sociedade em geral.
Porém, seja como for, que os ribeirinhos possam encontrar, como asseguram seus direitos, condições e caminhos de perseguirem seus sonhos de felicidade, independentemente de quais forem.
(Francisco Neto Pereira Pinto é doutor em Ensino de Língua e Literatura e autor de “À beira do Araguaia”)