O que de fato está mudando, seria uma provável “magica” algorítmica, que acaba por fazer mover a economia política, e seus lóbbies
Por Charles Machado – SC
Que a IA. vai mudar tudo, até o meu filho de 11 anos já sabe, mas o que de fato ela já está mudando e qual o valor dessa mudança no balanço das empresas e de nossas vidas?
E para os que leiam título e não o artigo na sua integra, adiantamos que somos favoráveis a adoção ampla da IA, mas é preciso refletir a qual preço e de que forma, isso é claro sopesando ainda os valores éticos e discriminatórios presentes deliberadamente em muitos dos seus usos.
O fato é que não se trata de ir contra a inovação, mas discutir o seu preço, seu tempo forma e amplitude.
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Quando os interesses imediatistas prevalecem o que vale é quem está levando mais vantagem? Porém o que de fato está mudando, seria uma provável “magica” algorítmica, que acaba por fazer mover a economia política, e seus lóbbies alterando a infraestrutura, que está sendo construída, e financiada majoritariamente por incentivos perversos.
Trata-se de uma nova indústria que precisa de quantidades absolutamente obscenas de eletricidade e de capital para crescer, logo o que emerge não é o futuro, mas o velho manual de sempre: engenharia financeira, externalidades ambientais e uma corrida regulatória em que cada bloco geopolítico dá as cartas.
Para sustentar o seu avanço que infla financiamentos e o valuation das empresas que colocam IA na Logo, na fachada do prédio ou no contrato social, tudo acaba se justificando na verdadeira corrida do “vale tudo”.
Mas precisamos colocar uma lupa nessa base financeira, pois em paralelo, e como costuma ocorrer quando o capex dispara, aparece o segundo manual: o de esconder a dívida. As grandes empresas de tecnologia e atores do ecossistema de inteligência artificial estão deslocando mais de US$ 120 bilhões em financiamento de data centers para fora de seus balanços por meio de veículos especiais (SPVs), financiados por Wall Street e pelo mercado de crédito privado. Isso não é um tecnicismo contábil: é um sinal de bolha em tempo real.
Quando uma indústria precisa continuar crescendo para justificar sua narrativa e, ao mesmo tempo, precisa que seus indicadores financeiros “pareçam” saudáveis, o que ela faz é mover o problema para outro lugar. E o risco não desaparece: ele é redistribuído, em balanços pouco ou quase nada claros.
A terceira camada é a geopolítica do controle. Enquanto no Ocidente seguimos presos entre o lobby e o tecno-otimismo de vitrine, a China avança por outro caminho: o regulador cibernético publicou rascunhos de normas para serviços de inteligência artificial projetados para simular interação humana e “personalidades”, com obrigações explícitas de advertir sobre uso excessivo e de intervir diante de dependência extrema, angústia emocional ou vício.
O fato é que não só podemos, mas devemos discutir o marco de liberdades e censura do modelo chinês, mas há uma leitura incômoda: ao menos eles estão reconhecendo, preto no branco, que esses sistemas podem gerar dependência psicológica e dinâmicas de engajamento e adição. E isso, em nossas democracias, continua sendo tratado como se fosse um assunto menor ou, pior, como se o mercado fosse “autorregular” isso magicamente.
Algo angelical de se acreditar tal qual Papai Noel ou o Coelhinho da Páscoa.

Mercado de ações e o clássico do capitalismo
Se você juntar as peças, o que emerge não é apenas um debate tecnológico, mas um retrato bastante clássico de capitalismo de infraestrutura e de mecanismos de enriquecimento rápido para alguns: uma expansão acelerada empurrada por expectativas enormes, financiada com mecanismos cada vez menos transparentes e sustentada por soluções energéticas que colidem frontalmente com uma urgência climática.
O que temos é mesma incoerência de sempre, mas ampliada: queremos data centers por toda parte, mas não queremos planejar rede, renováveis nem armazenamento. Queremos “vencer” a corrida tecnológica, mas sem aceitar a disciplina industrial que isso exige. Queremos inovação, mas sem assumir custos nem limites.
O preocupante não é que haja investimento; o preocupante é a lógica desse investimento. Quando o discurso dominante se converte em “é preciso construir o que for, como for, e depois veremos”, o resultado costuma ser uma combinação de sobrecapacidade, externalidades e resgates disfarçados.
No melhor dos casos, você termina com uma ressaca de infraestruturas subutilizadas e dívida mal alocada. No pior, com um sistema energético tensionado, com comunidades locais pagando a conta e com uma indústria que, quando deixar de crescer no ritmo prometido, deixará um rastro de risco financeiro empacotado em produtos que ninguém gostaria de examinar de perto.
Evidente que a inteligência artificial tem usos valiosos e veio para ficar, mas a qual preço?
Nesse momento, enormes investimentos em inteligência artificial rivalizam com os gastos dos consumidores, que são tradicionalmente o maior impulsionador do crescimento. No caso exemplificativo dos EUA, no primeiro semestre deste ano, os gastos das empresas em inteligência artificial (IA) rivalizaram com os dos consumidores como principal motor da expansão econômica do país.
Essa mudança surpreendente é um dos muitos exemplos recentes do papel cada vez mais importante da IA no sustento da economia dos EUA, e pode ser um claro sinal, de que estamos diante de uma bolha especulativa prestes a estourar, o que poderia causar prejuízos financeiros generalizados.
O mercado de ações está perto de níveis recordes, impulsionado pelas ações de empresas de tecnologia que colocaram a IA no centro da estratégia de negócios. nos EUA a economia cresceu 1,6% no primeiro semestre de 2025, e a maior parte desse crescimento foi impulsionada pelos gastos com IA.
Sem o investimento em IA, o crescimento teria sido cerca de um terço dessa taxa, segundo dados do Bureau of Economic Analysis.
Toda popularidade do ChatGPT e de outras ferramentas de IA entre empresas e consumidores, e as centenas de bilhões de dólares foram investidos nos últimos três anos, não se provaram ainda lucrativas na sua maioria, e ainda serão necessários muitos e novos investimentos sejam para que sejam rentáveis.
Mark Zuckerberg, recentemente comparou os investimentos em IA aos gastos maciços que construíram as ferrovias americanas no século 19 e as redes de fibra óptica da internet na década de 1990. Ambos se mostraram extremamente valiosos, mas somente depois que as bolhas de investimento iniciais estouraram e levaram muitas empresas à falência.
A questão é quando?


