Se a então presidente Dilma Rousseff sofreu o impeachment mais pelo conjunto da obra do que por crimes fiscais pelos quais os parlamentares a condenaram, não será surpresa se, pouco mais de um ano depois, o sucessor dela no comando do país, Michel Temer, for apeado do cargo no julgamento pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por fatos que não estão no processo, diga-se, a delação dos irmãos Batista da JBS, observa Ricardo Brito, da Reuters.
O TSE começa a julgar na terça-feira (06) se a chapa Dilma-Temer cometeu abuso de poder político e econômico para ser reeleita em 2014. De modo geral, os sete ministros da corte vão decidir se há provas de caixa 2 na campanha e, se sim, se foram capazes de desequilibrar a disputa a ponto de garantir a apertada vitória da dupla.
Numa campanha que teve gastos declarados de R$ 350 milhões, Dilma é acusada por delatores da Odebrecht e por seus ex-marqueteiros João Santana e a mulher dele, Mônica Moura, de terem recebido cerca de R$ 150 milhões de caixa 2 e de ter participação ativa na contabilidade paralela da campanha. A ex-presidente poderá ser condenada a perder o direito a se candidatar a cargos eletivos e Temer, o mandato de presidente.
No início de abril, quando se tentou iniciar o julgamento mas foi adiado para tomada de novos depoimentos, o cenário era mais favorável a Temer, segundo aliados dele e envolvidos com o processo entrevistados pela Reuters nos últimos dias. Motivos: a economia dava seus primeiros sinais de melhora, as reformas começavam a andar no Congresso e a crise política, apesar da megadelação da Odebrecht que envolveu importantes quadros no governo e no Legislativo, não havia entrado no gabinete presidencial.
Àquela altura, um ministro do TSE disse à Reuters, sob a condição do anonimato, que a corte não iria julgar somente com base nos autos, mas também olhando para a governabilidade do país sob Temer.
Dois meses depois, contudo, o clima virou. A partir da divulgação da gravação de uma conversa entre Joesley Batista e o presidente, Temer virou alvo de uma investigação no Supremo Tribunal Federal (STF) por obstrução de Justiça, corrupção passiva e organização criminosa e será, um fato inédito para um chefe de Executivo no exercício do cargo, interrogado pela Polícia Federal.
O presidente decidiu que não renuncia ao cargo, passou a contestar a validade da gravação, mas vê o andamento das reformas ficarem em suspense, com aliados no Congresso, que começaram negociações para sucedê-lo, esperando ao menos uma decisão do TSE para levar a cabo um desembarque geral do governo.