A primeira-dama mandou um bilhete exigindo providências imediatas para a decoraçào do Palácio da Alvorada
Por Sérgio Botelho – DF
Há cerca de 40 dias no governo, em março de 1961, o presidente Jânio Quadros (1917-1992) penava para transferir órgãos da antiga para a nova capital. Muitos dos blocos residenciais ainda estavam em construção, o que não permitia o alojamento dos funcionários que se mudavam do Rio para Brasília.
A confusão era generalizada, no rastro do esforço final de Juscelino para inaugurar, menos de um ano antes, a nova capital, evento ocorrido em 21 de abril de 1960.
Para completar o quadro, JQ havia determinado rigorosa compressão de despesas, não apenas reduzindo o ritmo dos trabalhos das construtoras como impedindo o início de novas edificações.
Não só isso, mas também da infraestrutura necessária ao atendimento às novas quadras e prédios que se iam erguendo na cidade, especialmente na Asa Norte. Desorientado, o governo vinha concedendo, indiscriminadamente, pedidos por moradias, mesmo que os prazos para entrega dos imóveis ainda demandassem tempo.
Desse jeito, de pouco adiantavam os bilhetinhos, modalidade adotada pelo novo presidente para transmitir suas ordens, para que organismos importantes fossem alocados em Brasília, junto com seus funcionários.
Afora a primeira linha das construções, havia ainda o programa destinado às camadas mais pobres da nova capital, denominado Fundação da Casa Popular, criado desde 1946, cujas vendas de imóveis, providenciadas no governo Juscelino, estavam sendo questionadas pelo novo governo, a prometer a anulação de todas a vendas.
O próprio Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República, mostrava necessidade de atendimento em sua ambiência interna, e exigia prioridade.
Nesse sentido, aderindo à modalidade bilhetinho do marido, a primeira-dama Eloá Quadros (1923-1990) se dirigiu à filha do arquiteto de Brasília, Ana Maria Niemeyer (1930-2012), também arquiteta, seguindo o pai, Oscar Niemeyer (1907-2012) mas dedicada a designers de interiores, nos seguintes termos:
“Decoradora: Peço providências urgentes para a decoração do Palácio da Alvorada para a decoração do Palácio do Alvorada; em caso contrário, eu mesma farei a decoração”.
Era um ultimato à responsável pela ambientação interna dos edifícios públicos de Brasília, o que incluía além do palácio residencial da Presidência, o do Congresso, o da Justiça e o dos despachos.
O trabalho de Ana Maria Niemeyer, segundo definição profissional, que atende à ambientação interna dos edifícios, é o conjunto de técnicas, estratégias e soluções que visam melhorar a qualidade dos espaços internos, levando em conta aspectos como conforto térmico, acústico, luminoso, ergonômico, estético, funcional e ambiental. Portanto, está bem longe de ser uma simples decoração.
O presidente e a primeira-dama somente ficariam mais 5 meses ocupando o Alvorada, porque em 25 de agosto Jânio renunciou ao mandato.
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