Em meio aos mais recentes acontecimentos na crise política venezuelana, a Casa Branca afirmou que o presidente do país, Nicolás Maduro, estava prestes a embarcar num avião e deixar o país nesta terça-feira (30), quando o Kremlin o teria dissuadido de fugir. Mais uma ficção do governo americano, segundo muitos que comentaram a alegação feita pelo secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, para explicar o revés sofrido pelo líder oposicionista Juan Guaidó em seu plano de derrubar Maduro com um levante militar.
Em uma entrevista à emissora americana CNN, o ex-diretor da Agência Central de Inteligência (CIA) e agora secretário de Estado afirmou que Maduro estava “pronto” para embarcar num avião e ir para o exílio em Cuba, quando “os russos disseram-lhe para ficar”. Sem identificar suas fontes, Pompeo ressaltou que os Estados Unidos haviam consultado “dezenas e dezenas de pessoas no local”.
A afirmação de Pompeo foi recebida por muitos com descrença, e agora boa parte do que o diplomata e outros porta-vozes da Casa Branca falarem sobre os eventos de 30 de abril na Venezuela corre o risco de seguir o mesmo destino.
O presidente dos EUA, Donald Trump, culpou 25 mil cubanos supostamente infiltrados nas forças de segurança e nos serviços secretos venezuelanos por frustrarem a tentativa de remoção de Maduro do poder. Embora essa acusação seja bem fundamenta, o governo da ilha caribenha exigiu provas irrefutáveis de sua interferência na Venezuela, e os EUA não quiseram exibi-las.
O conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, John Bolton, e o enviado especial do EUA para a questão venezuelana, Elliot Abrams, insistiram na terça-feira que três dos homens de confiança de Maduro – o ministro da Defesa, Vladimir Padrino López, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Maikel Moreno, e o comandante da Guarda de Honra Presidencial, Iván Rafael Hernández – haviam negociado durante meses com seus opositores para reconhecer o antichavista Guaidó como chefe de Estado interino. No entanto, Padrino López mais uma vez jurou lealdade a Maduro.
A conexão entre Moscou e Caracas – Não é de todo implausível que o Kremlin tenha uma ativa participação no país sul-americano. No artigo “Os laços de corrupção entre a Rússia e a Venezuela”, publicado na última edição da revista Foreign Affairs Latinoamérica, os cientistas políticos Alejandro Cardozo Uzcátegui e Víctor Mijares descrevem os fatores que fazem da relação bilateral uma simbiose genuína, embora a elite política e empresários russos pareçam obter mais benefícios do que os seus correspondentes venezuelanos.
No entanto, a frequência com que o governo Trump faz circular boatos na mídia acaba fomentando dúvidas em relação às palavras de Pompeo.
“Independentemente de saber se é verdade ou não que Moscou dissuadiu Maduro de fugir para Havana, o que se ganhou ao se comunicar que o Kremlin tem tal influência política em Caracas?”, indagou Juan Carlos Hidalgo, especialista em assuntos da América Latina do Instituto Cato, com sede em Washington.
“Isso foi uma admissão de fracasso. Pompeo admitiu que a Rússia é capaz de sabotar as negociações que os EUA levaram semanas ou meses para propiciar. Pompeo confessou que o governo Trump foi derrotado pelo governo de Vladimir Putin, justo quando a Casa Branca anunciou que a Doutrina Monroe [‘América para os americanos’] segue viva”, prosseguiu Hidalgo.
“Diante das câmeras de um canal de televisão visto por milhões de pessoas, Pompeo concedeu uma vitória midiática significativa ao Kremlin”, comentou. “No momento, não sabemos se a afirmação em questão é verdadeira ou não. O que sabemos é que a presença russa em território venezuelano é real.”
“Embora a China tenha sido considerada até poucos meses atrás como principal patrocinador do regime chavista, a situação mudou. Pequim deixou claro que apoia Maduro em termos puramente financeiros e comerciais, enquanto Moscou parece querer replicar em Caracas o que fez em Damasco”, apontou Hidalgo.
A aposta de Putin – “Putin respalda um ditador que compartilha seu espírito antiamericano para obter certos benefícios com mais facilidade, mas mais por razões geoestratégicas do que econômicas. Não estou dizendo que a Rússia não tem interesses econômicos na Venezuela – é claro que tem”, afirmou Hidalgo.
O analista ressaltou como exemplo que a CITGO, refinaria venezuelana em solo americano, ofereceu 49,9% de suas ações à Rosneft, petrolífera que tem o governo em Moscou como maior acionista, como garantia de pagamento do empréstimo feito pela empresa russa à estatal venezuelana PDVSA.
“Para Moscou parece ser mais importante fazer o oposto de Washington”, diz Hidalgo. “Na Venezuela de hoje não há garantia de sucesso para qualquer investidor. Por isso, ao meu ver, os investimentos russos no país não são suficientes para justificar o grau de respaldo político que está sendo dado por Putin a Maduro.”
O cientista político Daniel León, do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Leipzig, concorda com Hidalgo: “Putin apostou na extensão do governo de Maduro cooperando com ele economicamente e militarmente para provocar os EUA, mas cada aposta tem seu limite. Parece-me um absurdo apresentar o Kremlin como ator crucial para a permanência do chavismo no poder.”
Segundo León, a declaração de Pompeo também é ilógica da perspectiva da política externa russa. “A América Latina está muito distante da Rússia. O custo de converter a Venezuela em sua porta de entrada na região é muito alto”, analisou o especialista, que apontou que mesmo nos tempos da União Soviética o respaldo dado pelo Kremlin a grupos comunistas latino-americanos era discreto.
Opinião semelhante foi manifestada por Anatoly Kurmanaev, correspondente do diário americano The New York Times em Caracas, que publicou a seguinte mensagem no seu Twitter em 30 de abril:
“De repente, a Rússia, que não consegue convencer nem seus aliados e vizinhos Belarus e Cazaquistão a fazer o que ela diz, é quem tem a última palavra numa cleptocracia errática do outro lado do mundo. Até mesmo Fidel não obedecia tanto a Moscou”. (Da DW)