Gabriel, o Pensador: agora ouvidos têm paredes

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Há cinco que anos que O Sol da Caparica se tornou uma espécie de porto de abrigo da música lusófona, onde Portugal, África e Brasil se encontram anualmente, através de estilos tão diferentes como o rock, o samba, o hip-hop, o fado ou a kizomba.

Nesta sexta edição, são mais de 30 os artistas que vão passar pelos palcos do Parque Urbano da Caparica, em Portugal.

Um dos nomes mais fortes deste ano é o rapper brasileiro Gabriel, o Pensador, de regresso ao Sol da Caparica, onde atuou na primeira edição, para um concerto em que promete “caprichar”, como diz em entrevista ao Diário de Notícias, de Portugal, na qual fala da relação especial com Portugal e da “extremada” situação política do Brasil.

Já há sete anos que não edita um álbum, quando é que vai haver um novo disco de Gabriel O Pensador?
Para falar a verdade, já não sinto grande entusiasmo com a ideia de gravar um álbum. O mercado da música mudou bastante e neste momento já não é tão importante para um músico gravar álbuns. Aliás, creio mesmo que já nem é preciso. Fazer um álbum implica um longo trabalho de composição e de estúdio que já não é compensado. Acabamos por gravar dez músicas, mas depois só duas ou três é que acabam por ser trabalhadas em termos de comunicação e ao vivo todas as outras são desperdiçadas. Deixou de fazer sentido editar tanta música de uma única vez.

É por isso que tem optado, nestes últimos anos, por lançar singles em vez de álbuns?
Exatamente, a música chega da mesma forma às pessoas e continua a tocá-las quando assim tem de ser. Quando há três anos lancei o single Fé na Luta, pouco tempo depois recebi uma mensagem de uma fã, no Facebook, que disse que esse tema lhe tinha salvado a vida. Fiquei curioso e perguntei porquê e ela contou que, devido a uma depressão, estava com pensamentos suicidas, mas que depois de ouvir a música tinha decidido se tratar. Meses mais tarde acabei mesmo por conhecê-la pessoalmente, num concerto em Palmas, a capital do estado de Tocantins. Cantamos os dois juntos, no palco, foi um momento muito emocionante.

E este regresso ao Sol da Caparica, como vai ser?
Vou caprichar bastante nesse concerto, não só porque vou ter os meus amigos da Ericeira e de Torres Vedras, com quem costumo surfar em Portugal, mas também por ser um festival onde sempre fui muito bem recebido. Já participei, como artista, mas também já aí estive no público, quando lá fui ver um show do Criolo.

Deu-se a conhecer em 1992, com o tema Tou Feliz, Matei o Presidente, dedicado ao então presidente Collor de Mello. Mais de 25 anos depois, como vê o atual momento político do Brasil?
Na verdade, em todo esse tempo, não me lembro de um único momento em que estivesse muito contente com a situação política do meu país. O pior, neste momento, é a divisão entre os brasileiros. A situação está muito extremada e o fosso entre as duas partes é cada vez maior. Foi para alertar contra essa situação que, na altura das eleições, lancei o tema Um Só, no qual pedia para não nos deixarmos dividir.

Que consequências é que essa divisão tem na sociedade brasileira?
Tem conseguido diminuir e desvalorizar causas que deviam ser de todos, como a questão indígena, que deveria ser apoiada por qualquer pessoa sensível e decente, independentemente da sua cor política. Mas hoje qualquer pessoa que fale nesta questão é logo acusada de ser da oposição. Chegou-se ao ponto de as pessoas quase terem medo de falar abertamente, com receio de serem apontadas. Antigamente dizia-se que as paredes tinham ouvidos, mas hoje parece que são os ouvidos que têm paredes. As pessoas já não se escutam umas às outras e mesmo entre amigos, especialmente no que à política diz respeito, a discórdia fala mais alto do que a tolerância e a compreensão.

E qual é a solução para isso?
Sinceramente, não sei, porque os políticos aproveitam-se dessa animosidade entre as pessoas para alimentar uma situação de ódio e de violência que apenas tem como objetivo continuar a explorar o povo.

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