Em uma coincidência inédita, Argentina e Uruguai celebrarão eleições presidenciais no mesmo dia, em outubro, com a polarização dos eleitorados como ponto em comum de campanha. Ambas as eleições serão 27 de outubro, com eventuais segundo turnos em 24 de novembro.
Os dois países vivem situações políticas opostas. Enquanto que a Argentina foi parte da mudança de rumos na América Latina em direção à centro-direita, o Uruguai é presidido desde 2005 pela coalizão de esquerdas Frente Ampla (FA), que disputa um quarto mandato consecutivo, registra a agência Efp.
Enquanto nas primárias argentinas de domingo o presidente liberal Mauricio Macri tenha visto suas chances de reeleição caíram drasticamente, no Uruguai as pesquisas indicam um cenário mais imprevisto. Ambas as campanhas apontam para um dilema entre modelos de diferentes países.
Com os ponteiros eleitorais sincronizados, dirigentes de esquerda uruguaios tentaram capitalizar o revés do presidente argentino frente à chapa peronista composta por Alberto Fernández e a ex-presidente Cristina Kirchner nas primárias.
Segundo a ministra uruguaia do Turismo, Liliam Kechichián, os partidos opositores Nacional (PN, centro-direita) e Colorado (PC, liberal) “têm uma linha de pensamento e de programa de governo muito similares” aos de Macri. Em 2015, a vitória de Macri encerrando 12 anos de governos kirchneristas foi celebrada por vários dirigentes de oposição no Uruguai.
Atualmente, a queda de popularidade do presidente argentino e a crise econômica fazem que “seja difícil reivindicar seu governo como um modelo a seguir”, explica o cientista político uruguaio Diego Luján, da Universidade da República (UdelaR).
O presidenciável uruguaio do PN, Luis Lacalle Pou, favorito entre os candidatos opositores, garante que suas propostas vão em sentido contrário às aplicadas por Macri. O colorado Ernesto Talvi classificou de “má noticia” o resultado das primárias argentinas. “Todos os problemas que tínhamos (…) com a Argentina depois que Macri foi eleito Macri foram resolvidos em cinco minutos (…) porque há um espírito mais republicano”.
No sentido contrário, o prefeito de Montevidéu – bastião frentista desde 1990 – Christian di Candia, não hesitou em convidar o candidato a governador de Buenos Aires Axel Kicillof, ex-ministro da Economia kirchnerista, a “tomar uns mates uruguaios”.
O cientista político Daniel Chasquetti, também da UdelaR, lembra que durante os governos kirchneristas (2003-2015) as relações de Uruguai e Argentina “foram muito ruins”, em particular pelo conflito em torno da instalação de uma fábrica de celulose no rio Uruguai.
No Uruguai, explica Chasquetti, o governo de esquerda rebate críticas lembrando o período anterior à primeira presidência do FA, em um país que teve altos níveis de pobreza e uma economia frágil após a crise de 2002, enquanto a oposição invoca fracassos do governo “como aumento da criminalidade e desemprego”.
Enquanto isso, na Argentina a campanha está mais focada nas figuras antagônicas de Macri e Cristina Kirchner. Encarnam a dicotomia peronismo-antiperonismo que domina o sistema político desse país.
O sistema político no Uruguai tem contrapesos que evitam chegar aos extremos da lógica binária argentina: um sistema de partidos “estável e previsível”, disse Luján.