O presente é virtual porque as jogadas planejadas, pelo derrotado, não serão conhecidas
Texto de André César e Vinício Carrilho Martinez
A política é como jogo de xadrez. A disposição das peças no tabuleiro não mostra a realidade do jogo. O desfecho da partida está nas jogadas planejadas, na cabeça dos oponentes.
O tabuleiro sequer revela o presente, pois é o mero resultado do que fora planejado com muita antecedência.
O “momento” flagrado no tabuleiro, portanto, é o passado. Exatamente porque o restante da partida (o futuro do jogo) está todo escaneado na mente dos jogadores. Desse modo, essa “visão” indica apenas o passado dessa partida.
O presente, se é que se pode dizer assim, é apenas virtual. Corresponde ao imaginário dos jogadores.
O presente é virtual porque as jogadas planejadas, pelo derrotado, não serão conhecidas. Na verdade, não há um fim.
Aliás, é tão virtual (sem o fim) que muito provavelmente não veremos xeque-mate entre grandes jogadores. Porque antecipadamente, longe dos nossos olhos, um deles projetará um futuro derrotado. E assim abandonará a partida.
Uma diferença, entre o xadrez e a política, está no fato de que, ao menos que se saiba, no xadrez não há golpes. Nem mesmo “golpe de sorte”.
Hoje no Brasil vemos as duas situações. Um jogo de poder que se iniciou na década de 1990, usurpando-se a Constituição, a soberania popular, negando-se os direitos sociais, inoculando-se a reeleição.
Nesse xadrez, 2016, por exemplo, foi planejado em 2012-2013 – ou antes disso. Mas, não foi em 2014 – esse foi apenas um episódio dentro do script mais amplo.
Na política atual temos o Centrão como protagonista da partida. Move seus peões na CPI da Covid-19 e movimenta bispos nos ministérios.
O Centrão, uma marca d’água da política nacional, não se vende. Apenas aluga-se. É o que se diz em Brasília. Ou, em outros termos, “o Centrão não carrega caixão”. As alianças são pontuais e de conveniência.
Mais ainda, o Centrão não é um bloco único, monolítico. Os partidos que o integram têm interesses próprios, muitas vezes conflitantes. Esse fato só faz aumentar o preço de seu apoio.
Esse inquilino (ou inquilinato político), para ter seus cargos, terá que defenestrar os militares. A caserna, porém, segue firme no apoio ao projeto do titular do Planalto e tem dado seguidas demonstrações de estar gostando do jogo. Pior para as instituições, pior para a democracia.
Porém, como no xadrez, o Centrão movimenta as peças já pensando em 2023. Na posse, nomeações de novos ministérios. A Casa Civil foi a última fronteira (casa do tabuleiro) tomada pelo grupo.
Para 2022, a disputa está na definição de quais peões e bispos estarão ao lado do rei vencedor. Sim, o Centrão e seu inquilinato político só entram numa disputa quando têm certeza de vitória. Ou seja, nessa política não há competição.
Talvez a questão adicional seja descobrir o jeitão a ser reservado aos militares, quando os bispos do centrão tomarem o controle do jogo. Com suas regras típicas e vencedoras.
Aqui teríamos outra semelhança, entre xadrez e política. Não são jogos para amadores, principiantes.
Os militares irão descobrir isso em breve, bem como entenderão que o tabuleiro de hoje é o “meio” para o fim (2023).
De maneira complementar, o Centrão, removendo os militares dos postos ocupados atualmente, limpará o meio de campo para o vencedor de 2022: se houver jogo, ao que tudo indica será Lula.
Digamos, por fim, que o Centrão tem o ônus e o bônus da partida; tem os cargos cobiçados no Executivo, em troca de barrar o impeachment, e já faz o “jogo duro”, como um cavalo que faz um L e dá a volta nos militares empossados.
Isso é futurologia? Absolutamente, não.
É apenas a política existente em qualquer jogo de xadrez. Na verdade, são as lições básicas, como se fosse o ensino fundamental…da política e do xadrez.
Por último, como nenhum estudante aprende uma só lição, os militares, notoriamente os “estrategistas” (Golbery anda fazendo falta), estão aprendendo que a política, a guerra por outros meios, e o xadrez tratam da manutenção do território ocupado.
Conquistar o poder não passa do primeiro lance. Defender e manter o terreno conquistado, isso sim, fará do jogador um vencedor. Essa foi a mais dura lição que os EUA levaram para casa, na Guerra do Vietnã.
O xadrez dos militares parece nunca ser páreo para o GO, de Sun Tsu.
Tanto lá, quanto cá.
(Vinício Carrilho Martinez é cientista social da UFSCar e André César é cientista político)