Testemunhas da época relatam suas experiências, entre as quais histórias mirabolantes
“Portão de Brandemburgo fechado”. Com essa manchete, nas primeiras horas de 13 de agosto de 1961 a agência de notícias Associated Press (AP) anunciava um acontecimento decisivo para a história mundial: a construção do Muro de Berlim.
Nesse dia foi bloqueada a marca registrada da metrópole alemã, situada diretamente na junção entre o Leste e o Oeste. Simultaneamente, soldados do Exército Nacional do Povo (NVA) e tropas de operários da comunista República Democrata Alemã (RDA) obstruíam todos os demais caminhos para Berlim Ocidental, de início com arame farpado.
A operação “Salvaguarda das Fronteiras“, comandada pelo futuro chefe de Estado alemão-oriental Erich Honecker, era o último passo para literalmente cimentar a divisão de Berlim. Pois em breve se começaria a erguer um quase intransponível muro de pedra e concreto, de 3,60 metros de altura.
Desse modo, selava-se a última e maior brecha por onde, desde a divisão estatal da Alemanha, em 1949, escapara grande parte dos cerca de 2,6 milhões de refugiados da RDA – na esperança de uma vida melhor, dos pontos de vista material, cultural e político, na República Federal da Alemanha (RFA), no oeste.
Símbolo concreto da Guerra Fria
O êxodo em massa empurrara o Estado alemão-oriental cada vez mais à beira da ruína econômica. Faltavam urgentemente sobretudo operários especializados e médicos. Para evitar a continuação da sangria demográfica e, desse modo, colocar uma tranca diante da RDA, os dirigentes em Berlim Oriental só viam uma saída: o Muro.
Na propaganda oficial, contudo, o fechamento da fronteira é justificado de modo bem diferente: “A manutenção da paz exige exige que se dê um fim às atividades dos revanchistas alemães-ocidentais.” Essa retórica agressiva era típica de uma época em que a superpotência comunista União Soviética (URSS) e seu rival capitalista Estados Unidos travavam um duelo implacável pelo modelo social supostamente melhor.
Na disputa, a RDA estava do lado e sob a influência da URSS, enquanto a RFA integrava a facção dos EUA. O perigo de uma terceira guerra mundial, desta vez atômica, era muito real. Ambos os lados expandiam constantemente seus arsenais militares. Fala-se de um “equilíbrio do terror”. Essa era, que só terminaria com a queda do Muro de Berlim, em 1989, entraria para a história como Guerra Fria.
Os quatro setores do pós-guerra
Em todas essas décadas, a Berlim dividida foi foco da disputa dos sistemas. Símbolo político da dominação dos nacional-socialistas, de 1933 a 1945, ela fora seccionada em quatro setores pelas potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial.
Na parte leste, os soviéticos é que mandavam; no oeste, os americanos, britânicos e franceses. Todas as tentativas dos comunistas de colocarem a metrópole inteiramente sob seu controle fracassaram diante da resistência dos Aliados ocidentais.
O então presidente americano John F. Kennedy definiu Berlim Ocidental democrática como uma “ilha de liberdade no mar comunista”. No entanto, foi forçado a aceitar a construção do Muro, da mesma forma que os diretamente atingidos: os mais de 3 milhões de residentes de ambos os lados da “muralha anti-imperialista”, como o regime da RDA denominava a proteção de fronteira de cerca de 155 quilômetros de extensão.
Nos 28 anos de sua existência, mais de 140 cidadãos morreram por causa do Muro de Berlim. Hoje, para recordar esses destinos há o memorial central da rua Bernauer Strasse, onde ainda se manteve um trecho de mais de 200 metros do Muro. Curiosos de todo mundo vão até lá para ter uma ideia do que significou a divisão da atual capital alemã.
O homem que cavou um túnel para os outros
Testemunhas da época relatam suas experiências, entre as quais histórias mirabolantes. Como a de Joachim Rudolph, que, após conseguir escapar, cavou um túnel de 140 metros do Oeste para o Leste, a fim de abrir para outros o caminho da liberdade.
Passados 60 anos da construção do Muro, o ex-cúmplice de evasão é um homem extremamente solicitado. Numa roda de debates da fundação federal para avaliação da ditadura comunista da RDA (Bundesstiftung Aufarbeitung), ele conta sobre uma vivência decisiva, quando inspecionava a área com um amigo, pouco após o bloqueio da fronteira.
“Nós vimos uma cerca de arame farpado atravessada sobre a Bernauer Strasse. Na frente, estavam cinco ou seis soldados de fronteira, de kalashnikov pendurada no pescoço e capacete de aço na cabeça.” De repente, os amigos ouviram os brados: “O que é que estão pensando, não sabem ler? Aqui é zona de fronteira! Proibido entrar!”
Nesse momento, Rudolph sentiu que a situação era séria, pois os soldados não deixaram a menor dúvida: se ele e o amigo não dessem meio volta imediatamente, eles iam fazer uso das armas.
O Muro e os muros para os jovens
Testemunhas da época e locais autênticos como a Bernauer Strasse são um ponto de atração em especial para os jovens interessados na história do Muro de Berlim. Lennart Siebels, de 26 anos, cresceu nos limites de Berlim, onde hoje corre o Mauerweg, a “trilha do Muro”.
“Morando tão perto do bosque, com essa trilha e essa faixa de areia do lado, naturalmente você se pergunta, desde cedo: ‘Por que ela está aí?’ Acho que assim o interesse nasceu muito mais cedo do que se eu morasse na cidade.”
A relação é bem diferente para Lena Quincke, de 22 anos, nascida no Camarões, filha de pai alemão, e crescida na Etiópia. Apesar de só ter vindo para a Alemanha em 2017, estudava na África numa escola alemã, e o Muro de Berlim fazia parte do currículo.
Desde que está no país, contudo, conseguiu ter uma noção melhor de como era da Berlim antes dividida tornou-se muito mais diferenciada: “Quando se vê estes restos de construção e sabe que antes aqui havia um muro, e que a gente não podia simplesmente passar, isso desencadeia muitos sentimentos.” E questões, como “com que parte da Alemanha você se associa”.
Apesar de suas biografias tão diversas, ambos partilham uma característica típica de sua geração: ao escutar a palavra “muro”, não pensam imediatamente no que cortou Berlim de 1961 a 1989, mas naquele planejado pelo ex-presidente americano Donald Trump, entre os EUA e o México. O de Berlim, afinal, “eu nem vivenciei”, explica Siebels.
Quincke vê paralelos entre os velhos e os novos muros. Sobretudo os perigos são iguais: onde está um, há sempre alguma brecha, os seres humanos sempre encontram um jeito de ultrapassar, “e isso termina para muitos de modo muito sangrento ou perigoso”.
Como exemplo, ela cita a divisão entre Israel e os territórios palestinos, especificamente o muro de Jerusalém. Lá se vê o impacto sobretudo sobre a população civil. Não importa de que muro se fale, a reação de Quincke é de repulsa: “Com certeza, para mim é sempre uma ‘bandeira vermelha”. (Da DW)