Texto de Helena Borges e Ruben Berta, do The Intercept Brasil
Repetida à exaustão pelo governo, a principal bandeira da reforma da Previdência é o “fim dos privilégios”. Um belo discurso, que esbarra na prática em distorções que seguem intocáveis. A maior delas, como mostram números do próprio Ministério da Fazenda, veste farda.
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E está sendo deixada debaixo do tapete, com o aval de uma das maiores instituições de ensino do país: a Fundação Getúlio Vargas (FGV), autora de um texto institucional de apoio à manutenção do atual sistema de aposentadoria dos militares.
Publicado em novembro pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN), ligada à Fazenda, o relatório “Aspectos Fiscais da Seguridade Social no Brasil” revela que, em 2016, o déficit per capita anual (diferença entre o que se paga e o que se arrecada) dos militares reformados (em inatividade irrevogável) chegou a nada menos do que R$ 127,6 mil.
No caso dos pensionistas militares, o quadro também não é muito diferente: R$ 99,2 mil. Para se ter uma ideia, no regime geral de previdência urbana, de quem trabalha na iniciativa privada, o déficit per capita foi de R$ 1,5 mil no mesmo período, de acordo com a STN.
Até o déficit em números absolutos no regime dos militares é destacado pela STN, que considera haver um “descompasso muito grande” entre as receitas e as despesas, resultando num rombo próximo aos R$ 34 bilhões para um contingente de cerca de 299 mil reformados e pensionistas.
No caso dos servidores públicos civis, por exemplo, de acordo com o relatório, o déficit foi de R$ 43,1 bilhões. No entanto, é preciso lembrar que esse índice é relativo a um grupo de 632,5 mil beneficiados, ou seja, pouco mais que duas vezes o contingente dos militares.
No regime geral dos trabalhadores da iniciativa privada (urbano e rural), o déficit relatado pelo Tesouro foi de R$ 138,1 bilhões, para quase 34 milhões de pessoas.
Apesar de os números do próprio governo escancararem a distorção nos benefícios dos militares, o Ministério da Fazenda prefere não entrar no assunto. Afirma, em nota, que o tema deve ficar para outro momento.
“A previdência dos militares é regulada em lei, e não pela Constituição. O que se está discutindo no Congresso é uma emenda à Constituição. O governo federal avaliou não ser oportuno inserir na Constituição matéria que não consta atualmente no texto e, em paralelo à proposição desta reforma constitucional, discute com o Ministério da Defesa a aplicação de regras similares aos militares, a ser proposta após à aprovação da PEC. Não será viável rever a regra dos militares se não houver a aprovação da PEC da Previdência”.