“Eu te amo”, disse Jair Bolsonaro a Donald Trump em setembro de 2019, em Nova York, para receber de volta um “é bom revê-lo”. O diálogo ocorreu na Assembleia Geral da ONU, quando o presidente brasileiro se empenhava em se aproximar do americano oferecendo concessões sem receber contrapartidas objetivas.
A estratégia de Bolsonaro na política externa com os Estados Unidos, definida por alguns analistas como “alinhamento automático”, não tem precedentes na história da diplomacia brasileira. E, com a vitória do democrata Joe Biden, cobrará seu preço: esfriamento na relação bilateral com a nação mais rica do mundo e maior isolamento de Brasília no cenário internacional, segundo especialistas ouvidos pela DW Brasil.
A vitória de Biden, porém, não deve num primeiro momento trazer grandes prejuízos econômicos ao Brasil e tende a resguardar cooperações nas áreas de comércio e investimentos já em andamento, dado o pragmatismo do presidente americano eleito.
Nas últimas semanas, Bolsonaro e seu entorno manifestaram por diversas vezes apoio a Trump. No início de novembro, o presidente brasileiro disse à CNN Brasil estar confiante na reeleição. Antes, em 20 de outubro, ele havia declarado que esperava comparecer à posse do republicano: “Espero, se essa for a vontade de Deus, comparecer à posse do presidente brevemente reeleito nos EUA. Não podia esconder isso. Não interfiro, é do coração”.
Um dia depois, Carlos Bolsonaro, filho do presidente e vereador pelo Rio de Janeiro, divulgou no seu Twitter uma foto se ajoelhando, usando boné com a bandeira dos Estados Unidos e portando um fuzil, com a mensagem “‘MERICA #freedom”. A exibição de armas de fogo é uma marca dos apoiadores mais radicais de Trump.
Além do presidente, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, era outro apoiador do americano. Em 2017, antes de virar chanceler, ele escreveu num artigo que Trump poderia “salvar o Ocidente“. No cargo, evitou confrontar a Casa Branca mesmo quando havia interesses brasileiros em jogo, como quando o governo americano estabeleceu restrições à importação de aço do Brasil ou derrubou a candidatura de um brasileiro ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
A relação bilateral Brasil-EUA – Os dois países têm um histórico de proximidade diplomática que começa já em 1822, quando os Estados Unidos foram a primeira nação a reconhecer a independência do Brasil. Sob Bolsonaro, porém, a natureza e a intensidade desse alinhamento foram inéditos, afirma Fernanda Magnotta, senior fellow do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e coordenadora do curso de Relações Internacionais da FAAP.
Uma das novidades da política externa bolsonarista foi incorporar um forte teor “ideológico e identitário” à aliança com os americanos, jogando por terra algumas tradições da diplomacia brasileira. “Não se tratou de olhar para os Estados Unidos como um parceiro prioritário e aliado necessário, mas como fonte de um exemplo ou modelo que a gente deveria mimetizar abaixo da linha do Equador”.
Além desse componente identitário, o governo Bolsonaro optou por permitir avanços dos interesses americanos em pautas diversas, como comércio, defesa e energia, em troca de buscar o comprometimento da Casa Branca com temas mais complexos e de menor impacto imediato, como o processo para o Brasil se tornar um membro da Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE), ainda incerto e sem prazo para ser concluído.
“Embora esses assuntos não sejam uma novidade, o jeito de negociar mudou. O Brasil se tornou mais permissivo, e os americanos, que têm sido mais duros ao estabelecer as barganhas, usaram uma estratégia conhecida como ‘issue linked‘, uma barganha condicionada: ‘Se vocês [Brasil] toparem fazer tal coisa, talvez nós apoiemos vocês nessa terceira coisa.'” O problema desse tipo de negociação, explica Magnotta, é que o Brasil acabou cedendo em diversas demandas estratégicas, obtendo de volta apenas promessas retóricas.