A Ucrânia, uma nação independente, deve ser respeitada, assim como Taiwan, Hong Kong e o Tibete
Texto de Maya Félix
Estou torcendo para que o pior não aconteça na Ucrânia (apesar de já estar acontecendo). A bota militar da Rússia mais uma vez se impõe pesadamente sobre o sofrido povo ucraniano. Tenho observado gente que se diz conservadora cobrar do presidente Bolsonaro a emissão de uma declaração contra a Rússia.
Estão usando isso como moeda de troca para definir o caráter do presidente. Querem mostrar à própria direita que é preciso discordar do presidente e, por extensão, deixar de apoiá-lo. A questão é que isso não é tão simples.
Em primeiro lugar, uma declaração de Bolsonaro não influenciará em absolutamente nada o curso dos fatos. Joe Biden dá declarações diárias contra a invasão russa e isso não parou Putin. Líderes europeus estão fazendo o mesmo, e daí?
Se “declaração” mudasse o rumo da História, Joe Biden estaria sendo o melhor presidente de todos os tempos. Neste caso, falar não é fazer. Donald Trump, sem dar nenhuma declaração, evitou que a Rússia invadisse a Ucrânia durante seu mandato. Isso porque a linguagem que Putin entende é a bélica – só que ninguém vai mandar tropas para a Ucrânia. Falar é fácil.
Apoio verdadeiro seria o envio de tropas, tanques, aeronaves, armamento pesado. Alguém? Querem que Bolsonaro mande ajuda militar, sacrificando pessoal e verba pública, ou querem que ele dê declarações ameaçadoras e condenatórias, como Joe Biden? Sabem por que a Alemanha tampouco se pronunciou? Porque há interesses comerciais em jogo.

O Brasil tem relações diplomáticas e comerciais com a Rússia. Deveria cortar os laços? Nada de negócios com Vladimir Putin? Neste caso, teria que começar rompendo com a China, que tem desrespeitado acordos internacionais e destruído as liberdades individuais em Hong Kong, em Taiwan e no Tibete.
Por que a Europa não condena a China? Por que não lhe aplica sanções econômicas? Crianças têm sido retiradas de seus pais em Hong Kong e enviadas a “campos de reeducação”. É uma guerra silenciosa e opressora à qual a Europa é indiferente porque os interesses econômicos são outros.
Por que ninguém protesta contra a opressão aos cristãos da China? Sr. Bóris Johnson, ainda não ouvi a sua voz! O que o senhor disse, mesmo, em junho de 2021? “A OTAN não quer uma guerra fria com a China”. Não há mídia televisionada falando da destruição das sociedades de Hong Kong, de Taiwan e do Tibete. Os mesmos que fazem de conta que os direitos humanos são respeitados na China agora se transformaram
em leões para criticar a Rússia.
E não, eu não sou favorável a essa guerra estúpida, mas preciso colocar os fatos em perspectiva. Acredito que a Ucrânia deve ser respeitada, pois é uma nação soberana. Do mesmo modo, defendo Taiwan, uma nação independente, Hong Kong, um território chinês autônomo, e o Tibete, região autônoma da China.
A questão é que não vejo os Estados Unidos nem a União Europeia defenderem tão ferrenhamente Hong Kong, Taiwan e o Tibete. As denúncias de violação dos direitos humanos nesses três lugares aumentam a cada ano e líderes mundiais se calam, consentindo com as atrocidades praticadas pela China. Cristãos, budistas e muçulmanos são perseguidos criminosamente pelo Partido Comunista Chinês e não há indignação mundial.
Acho justo que a invasão da Ucrânia gere comoção planetária. É terrível que a Rússia desrespeite acordos internacionais, como o Memorando de
Budapeste, feito em 1994, pelo qual a Ucrânia entregou 1.600 armas nucleares da antiga União Soviética à Rússia, sob condição de não ser mais ameaçada nem invadida (aliás, esta é a prova mais cabal de que o desarmamento não funciona).
A grande questão é que os direitos humanos desaparecem quando o problema é visto mais objetivamente em sua complexidade: quase 50% do gás
utilizado pela Europa é transportado por gasodutos que passam pela Ucrânia. Se a Rússia é o segundo maior produtor mundial de gás natural, a Ucrânia é o passaporte para que este gás chegue à Europa.
No nosso caso, é importante dizer que toda a produção agrícola brasileira depende dos fertilizantes produzidos pela Rússia: 99% do nitrato de amônio, fertilizante usado pelos produtores brasileiros, são importados da Rússia, que fornece também 29% do potássio consumido no Brasil. Esses são apenas dois exemplos.
A produção agropecuária brasileira alimenta o povo do Brasil e é responsável por 26% do PIB, tendo sido o único setor superavitário na balança comercial em 2021. Isso fora os empregos gerados pelo agro, num momento em que o país fechou 2021 com 12 milhões de desempregados.
Ademais, o presidente já declarou estar ao lado da paz. Ao não condenar nominalmente Vladimir Putin, Bolsonaro teve que fazer uma escolha de Sofia. Decidiu pelo Brasil e pelos brasileiros. Antes de ditar regras para o discurso do presidente da República, os analistas políticos de plantão deveriam tentar ver a guerra de modo mais amplo: para muitos países, “Ucrânia” significa apenas interesses políticos e comerciais estratégicos.