Com a inflação acumulada em 12 meses acima de 10%, quantidade de produtos é reduzida nas embalagens
Texto de Vivaldo de Sousa
Em 1986, quando o Plano Cruzado congelou preços para tentar conter a inflação, muitas empresas reduziram a quantidade dos produtos que fabricavam para continuar cobrando o mesmo valor sem serem acusadas de desrespeitar as regras adotada pelo governo José Sarney (1985-1989). Rolos de papel higiênico vendidos com 40 metros passaram a ser encontrados com 30 metros. As embalagens de iogurtes com 200 ml foram trocadas por outras com 180 ml.
Na prática, essa medida mascarou parte da inflação: os preços continuavam os mesmos, mas os brasileiros levaram para casa menos produtos, especialmente alimentos. Em outras palavras, o salário valia menos e comprava cada vez menos coisas. Sem o Código de Defesa do Consumidor, aprovado quatro anos depois em 1990, essa prática foi classificada pela imprensa (e por muitos consumidores) como maquiagem. Maquiar para enganar os consumidores e os fiscais do Sarney.
Com a inflação acumulada em 12 meses acima de 10% desde dezembro de 2021, essa prática foi ressuscitada pelos fabricantes de diversos produtos, que reduziram volume e quantidade dos produtos nas embalagens e mantiveram os preços. Como essa redução precisa ser informada, conforme determina o Código de Defesa do Consumidor, essa prática não pode ser mais chamada de maquiagem. O termo usado hoje, embora não seja novo, é reduflação. Uma outra forma de esconder ou maquiar a inflação.
Também pode ser vista como uma forma de fazer os consumidores pensarem que não houve um grande aumento de preços. Mas, na prática, houve sim aumento, uma vez que a quantidade comprada é menor. E não é um aumento pequeno. No caso, por exemplo, de um pacote de molho de tomate que custa R$ 3,00 (em média), a redução da embalagem de 340g para 300g representa um aumento de 13%, maior que a inflação de 11,73% acumulada pelo IPCA nos últimos 12 meses terminados em maio.
Talvez inspirados pela indústria, que recuperou neste ano uma prática adotada há 26 anos, o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ministro da Economia, Paulo Guedes, pediram aos supermercados e à indústria que congelem os preços dos produtos “por dois ou três meses”. Ou seja, até outubro. Eles não falaram, mas certamente gostariam, se o pedido fosse atendido, que esse “congelamento” fosse até pelo menos depois das eleições presidenciais. Em 1986, essa estratégia (congelamento de preços) foi classificada de estelionato eleitoral.
Na época, o descongelamento dos preços foi anunciado quatro dias depois de o Plano Cruzado ter dado ao PMDB a maior vitória eleitoral desde o fim da ditadura militar. Neste 2022, que promete ter a eleição presidencial mais tensa desde que os brasileiros retomaram o direito de escolher o presidente da República, as pesquisas de opinião indicam que um eventual “estelionato eleitoral” em 2022 é cada vez mais improvável.