Será realizada nesta terça-feira em Brasília. As investigações remontam à época do governo militar brasileiro
“A subsidiária da Volkswagen no Brasil é responsável por graves violações de direitos humanos e crimes hediondos”, disse o procurador brasileiro Rafael Garcia Rodrigues à emissora pública alemã de televisão ARD.
“Estamos convencidos de que a Volkswagen reconhecerá sua responsabilidade e que um acordo será alcançado para que os trabalhadores daquela época sejam indenizados”, informou a reportagem da Agência DW.
Garcia coordena investigações sobre escravidão moderna em todo o Brasil desde 2015. E o Ministério Público do Trabalho (MPT) convocou pela primeira vez representantes da Volkswagen no Brasil para uma audiência nesta terça-feira (14), em Brasília. Trata-se de um possível acordo extrajudicial de indenização.
As investigações remontam à época do governo militar brasileiro (1964-1985). A convite dos generais, a Volkswagen comprou 140 mil hectares de terras na região amazônica em 1973. A Fazenda Vale do Rio Cristalino, conhecida como “Fazenda Volkswagen“, no município de Santana de Araguaia, no Pará, deveria abrir uma nova área de negócios para o grupo.
Uma montadora de automóveis que cria gado no meio da selva? O que hoje parece um projeto aventureiro fazia parte da estratégia de desenvolvimento nacional naquela época. A Volkswagen deveria contribuir para o desenvolvimento da floresta tropical brasileira e não apenas ganhar dinheiro com isso, mas também seguir o lema “integrar para não entregar” dos militares.
Grandes partes da propriedade tiveram que ser desmatadas para dar lugar à fazenda de gado da Volkswagen. Para desmatar e fazer o pasto no local, a fazenda contratou “gatos” – como eram chamados os empreiteiros – para recrutar trabalhadores temporários nas aldeias remotas da região e transportá-los para a fazenda.
Mas em vez dos empregos lucrativos prometidos, os empregados temporários eram obrigados a trabalhar para pagar supostas dívidas, sofriam violência e eram ameaçados, além de serem impedidos de deixar a região.
“Na fazenda só se comprava comida a preços absurdamente altos”, lembra o ex-trabalhador José Pereira. “Quando limpamos os primeiros 100 hectares, tínhamos muitas dívidas com os recrutadores de mão de obra. Um deles disse: ‘Você quer ir embora? Não! Agora você tem que pagar suas dívidas’.”
José Pereira e seus colegas são testemunhas-chave na investigação do Ministério Público do Trabalho (MPT) sobre a Volkswagen. Eles contam que foram amarrados após tentativas de fuga, trabalharam sob a mira de armas e até mesmo sobre mortes no local.
“Se alguém tentasse fugir, os guardas vinham atrás e atiravam”, relata Pereira. “Eles espancaram aqueles que escaparam. Na rua, nos barracos, todo mundo viu.”
A escravidão moderna ainda prevalece
Quase 40 anos após o fim da ditadura militar, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) ainda luta contra as condições de trabalho escravo contemporâneo no país.
“O trabalho escravo contemporâneo é uma realidade em todos os estados do Brasil, no campo e na cidade”, afirmou a CPT num comunicado. “Desde 1995, mais de 58 mil pessoas foram resgatadas de condições degradantes de trabalho, da servidão por dívidas, do trabalho forçado e de jornadas exaustivas.”
Para o ex-gerente da fazenda Friedrich Brügger, as alegações de escravidão moderna na fazenda da Volkswagen são “um completo absurdo“. Ao programa Weltspiegel, da emissora pública alemã de televisão ARD, ele disse: “Isso é um absurdo. Como se não houvesse nada mais importante hoje do que melhorar o passado.”
O agrônomo suíço começou a administrar a fazenda em 1974, onde permaneceu por 12 anos. Em 1986, a Volkswagen vendeu a fazenda porque o negócio deixou de ser lucrativo. Brügger voltou à Suíça depois de 40 anos no Brasil.