Tancredo Neves foi escolhido por um colégio eleitoral, formado por deputados federais, senadores e delegados das assembleias legislativas
Por Misto Brasil – DF
Em 15 de janeiro de 1985, o Brasil elegia, de forma indireta, Tancredo Neves presidente da República. A escolha pelo político do PMDB colocou fim à sequência de cinco governos chefiados por militares.
Há 40 anos a eleição indireta, realizada no Congresso Nacional, sepultou a ditadura instituída com o golpe de 1964, que naquele momento já estava claudicante.
Mas havia um tom de frustração no ar. Nove meses antes, o Congresso havia derrubado a proposta de emenda das Diretas Já, que traria de volta eleições diretas para a escolha do presidente.
Por isso, Tancredo foi escolhido por um colégio eleitoral, formado por deputados federais, senadores e delegados das assembleias legislativas.
Com 480 dos 686 votos do colégio eleitoral, Tancredo derrotou o situacionista Paulo Maluf, do então PDS e aliado dos militares. Mas o eleito não tomaria posse – na véspera da data prevista, em 14 de março.
Tancredo seria internado com sintomas de apendicite e o cargo acabou sendo passado ao seu vice, José Sarney. Tancredo morreria uma semana depois, em 21 de abril.
Se a eleição de Tancredo Neves representou uma pá de cal no regime ditatorial, ela não apagou um sentimento de decepção em parte da população pelo fato de a escolha não ter ocorrido de forma plenamente democrática, como queriam os milhares que foram às ruas pedindo Diretas Já.
Eleição indireta era o caminho possível
O governo ali inaugurado costuma ser compreendido como uma transição entre o autoritarismo e a democracia – que só chegaria plenamente com a Constituição de 1988 e a eleição seguinte, de 1989, que alçou Fernando Collor de Mello à Presidência.
“Foi um marco considerável o fato de ter um primeiro civil eleito desde a ditadura, depois de cinco militares em sequência. Mas o clima era de frustração pela derrota das Diretas Já”, diz o historiador Rodrigo Patto Sá Motta, professor na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
“Tinha 18 anos na época e me lembro muito bem”.
O entendimento, explica o professor, era de que a eleição indireta da chapa Neves-Sarney “era o caminho possível” diante da impossibilidade da aprovação da emenda das eleições.
“Era um mal menor. E melhor do que deixar o Paulo Maluf presidir o Brasil”, avalia.
“Houve um pragmatismo, uma aceitação bastante ampla dessa acomodação, e muita gente deixou a frustração de lado”, comenta.
“Mesmo que estivesse claro que era uma democratização precária, ainda não ideal. A eleição de Tancredo era um caminho possível”, registrou a Agência DW.
Essa transição foi o mecanismo encontrado pelos que detinham o poder militar para garantir que a transição democrática fosse gradual e, principalmente, que mantivesse uma série de privilégios para eles.
“As eleições indiretas não tocaram nas estruturas básicas da ditadura“, afirma o historiador Daniel Aarão dos Reis, professor na Universidade Federal Fluminense (UFF).
“Mesmo a Constituição de 1988, apesar de registrar imensos avanços […], manteve o caráter repressivo da polícia militar e a monopolização dos meios de comunicação […]. O Exército como Estado dentro do Estado foi mantido”.
A transição brasileira foi muito peculiar, como enfatiza o professor Sá Motta, porque “por um lado acabou a ditadura, mas por outro lado não acabou também”.
“Assumiu o governo Sarney, que tinha sido um político civil a serviço da ditadura durante muito tempo. Os militares não foram afastados completamente dos jogos de poder”, diz.