O novo presidente da Câmara dos Deputados fez uma defesa do sistema democrático e criticou quem apoia a ditadura
Por Misto Brasil – DF
O deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), eleito hoje (01) presidente da Câmara dos Deputados, imitou o gesto do ex-deputado Ulysses Guimarães (MDB-SP), considerado o “pai da Constituição de 1988”.
Veja o discurso na íntegra
No seu discurso de posse, Motta levantou-se e ergueu um exemplar da Constituição Federal, como fez Ulysses na promulgação da Carta Magna.
O deputado também fez mais, centrou sua fala em cima das citações de Ulysses e repetiu nada menos que 29 vezes a palavra democracia.
No discurso, a exemplo do que disse Ulysses Guimarães, o novo presidente da Câmara disse que tem “nojo da ditadura”. Em toda a sua fala, Motta mencionou diretamente o “senhor democracia” 15 vezes.
Discurso do deputado Hugo Motta
Meus amigos e minhas amigas, a vida pública é o exercício permanente do transitório, é a compreensão de que todos passamos, mas as instituições ficam, e, para além delas — mais importante —, ficam as transformações históricas e sociais de cada era, ficam a coragem e as posições, ficam os princípios, e não as conveniências, ficam as convergências que constroem, e não as divergências, que paralisam e destroem a compreensão de que podemos pensar diferente, mas somos todos iguais no que é indiscutível.
Somos todos brasileiros e brasileiras, e, seja qual for a visão de mundo, o Brasil nos une e nunca pode nos separar, pois somos o povo brasileiro, e o Brasil é o nosso único país. (Palmas.)
As glórias são efêmeras, mas os propósitos e os avanços o tempo nunca apaga. As paixões são radicais, mas são o equilíbrio e a razão que conduzem as horas mais difíceis.
Começo assim, sob o impacto da confiança depositada em mim por V.Exas. E vejo este plenário deste ponto de observação tão singular e não posso deixar de lembrar e me emocionar: esta é e será sempre a cadeira do Senhor Diretas, do Senhor Democracia, a eterna cadeira do pai de nossa Constituição, Ulysses Guimarães. (Palmas.)
Assumo a Presidência da Câmara dos Deputados com três compromissos, três únicas prioridades: servir ao Brasil, servir ao Brasil, servir ao Brasil. (Palmas.) O povo brasileiro não quer discórdia. Quer emprego. O povo brasileiro não quer luta pelo poder. Quer que os Poderes lutem por ele. O povo brasileiro não quer a divisão da ideologia, mas a multiplicação no seu dia a dia.
Não temos tempo para errar. Chega de zero a zero. O povo brasileiro quer resultado. Quer emprego, quer melhorar de vida, quer educação melhor para seus filhos, quer mais segurança, quer viver melhor. Quer um futuro melhor, um Brasil melhor. (Palmas.)
E se não formos capazes de entender e agir de forma prática, responsável e urgente para libertar o Brasil das amarras que aprisionam o nosso futuro, não estaremos à altura deste lugar e desta hora.
Não podemos continuar desperdiçando seu presente e sacrificando seu futuro. Não podemos continuar penalizando a nossa gente, porque não existe um caminho da Direita, um caminho da Esquerda ou um caminho do Centro: existe apenas o caminho do Brasil. (Palmas.)
Faço aqui um apelo a todos os meus colegas: vamos deixar o Brasil passar! Vamos deixar o Brasil passar!
Minhas amigas e meus amigos, não se pode mais discutir o óbvio. Nada pior para os mais pobres do que a inflação, a falta de estabilidade na economia. E a estabilidade é a resultante de um conjunto conhecido e consensual de medidas de responsabilidade fiscal. Não se apaga fogo com gasolina. Não existe uma nova matriz de combate ao incêndio. Isso é apenas atear fogo com outro nome. E nosso dever é apagá-lo, pelo bem do povo brasileiro.
Não há democracia com caos social. Não há estabilidade social com caos econômico. Defenderemos a democracia porque defenderemos também as melhores práticas e as melhores políticas econômicas para defender a paz nos lares dos brasileiros, sobretudo dos que mais precisam.
Defender a estabilidade econômica é defender a estabilidade social.
Chego à Presidência da Câmara dos Deputados pelas nuvens e tempestades do destino, como definiu aquele que dá nome a este Plenário.
Eu não chegaria até aqui sem o apoio de amigos e motivadores da política.
Minha eterna gratidão ao Presidente do meu partido, Deputado Marcos Pereira, pelo gesto fundamental para que eu me sentasse hoje nesta cadeira. (Palmas.)
E meu muito obrigado ao meu amigo Presidente Arthur Lira pelo respaldo ao meu nome e pelo trabalho incansável para que a Câmara encontrasse esse consenso histórico que estamos vendo no plenário. (Palmas.)
Nenhum interesse ou divergência pode estar acima da Nação brasileira e das urgentes necessidades do nosso povo.
Minhas amigas e meus amigos, nesta cadeira de Ulysses, às vésperas de completarmos 4 décadas do fato, em homenagem a todos os presentes, aos brasileiros, à democracia, ao respeito às instituições e entre as instituições, faço questão de relembrar o gesto histórico de Ulysses ao promulgar a Constituição que juramos respeitar: viva a democracia! Viva a democracia!
(O Presidente levanta-se e exibe a Constituição Federal.) (Palmas.)
E foi pelo MDB de Ulysses que cheguei a esta Casa, com apenas 21 anos, em 2011. Com muito orgulho, posso dizer que o MDB foi minha escola e minha faculdade de política brasileira.
A memória de Ulysses deve iluminar corações e mentes nestes tempos difíceis. Ao contrário dos debates parciais, o Parlamento jamais avançou em suas prerrogativas. Foi justamente o contrário. A vontade dos Constituintes originários foi adiada por quase 4 décadas. E qual vontade era essa?
Ninguém é melhor para descrevê-la do que o próprio Ulysses Guimarães, em seu histórico discurso de promulgação da Carta de 1988. Pontificou Ulysses: “Se a democracia é o governo da lei, não só ao elaborá-la, mas também para cumpri-la, são governo o Executivo e o Legislativo”. Repito o que disse Ulysses: “São governo o Executivo e o Legislativo”.
E Ulysses continua, naquele dia histórico: “O Legislativo brasileiro investiu-se das competências dos parlamentos contemporâneos”.
Que competências eram e são essas? O parlamentarismo! Ele não pregou o parlamentarismo como nova forma de governo, mas disse que o Parlamento se investia das competências dos parlamentos — parlamentos parlamentaristas — contemporâneos. Ou seja, ele afirmava que o presidencialismo absoluto deixava de existir com a nova Constituição. Isso ocorreu já em 1988. E mais do que afirmar, ele descrevia o que os novos mecanismos constitucionais previam.
Ulysses, em seu discurso, desenhava a função constitucional deste Parlamento já então. Palavras do Sr. Constituinte: “É axiomático que muitos têm maior probabilidade de acertar do que um só”.
Quem era esse “um só” a que se refere Ulysses? O superpresidente, o presidencialismo absoluto, cuja sentença de morte estava sendo decretada naquele momento, na inauguração da nova Constituição, no mesmo célebre discurso em que pronunciou a frase que ainda ecoa nestas galerias: “Tenho ódio e nojo à ditadura!” (Palmas.)
Não existe ditadura com Parlamento forte. O primeiro sinal de todas as ditaduras é minar e solapar todos os Parlamentos. Por isso, temos de lutar pela democracia.
E não há democracia sem imprensa livre e independente. Quero aqui agradecer a todos os jornalistas presentes neste sábado e parabenizá-los pelo trabalho tão fundamental de noticiar diariamente aos milhões de brasileiros os acontecimentos desta Casa.
Lutamos pela harmonia e independência entre os Poderes porque defendemos a democracia, lutamos pela democracia, somos frutos da democracia.
Não somos 513 Deputadas e Deputados. Somos os representantes de 212 milhões de brasileiros que só estamos aqui pela vontade popular. Somos escolhidos para representar o povo e, falando em Constituição, somos o símbolo daquele princípio que não por acaso foi inscrito no primeiro artigo, o primeiro texto constitucional: “Todo poder emana do povo e em seu nome é exercido”.
Não se disse “quase todo poder”, “algum poder”, “uma parte”. O primeiro artigo deixou claro que o antídoto ao arbítrio é o respeito à soberania popular, toda ela, e desrespeitá-la, seja o mínimo que for, é desrespeitar a Constituição, é violar a democracia.
Minhas amigas e meus amigos, os Constituintes estabeleceram a corresponsabilidade e a coparticipação do Governo. Portanto — e aqui cabe fazer uma importante observação do ponto de vista histórico —, não dialogo neste momento com as circunstâncias: o Legislativo jamais avançou em nenhuma prerrogativa, no presente ou no passado presente. A rigor, nunca.
Na verdade, o Poder Legislativo recuperou suas prerrogativas, definidas pelos Constituintes originários, proclamadas aqui, nesta mesma cadeira, e o fez após os tormentosos abalos desde a redemocratização.
Esse atraso se deu por um mecanismo político, na verdade um eufemismo de nome pomposo, mas de funcionamento que se provaria perverso, o chamado “presidencialismo de coalizão”, nada mais nada menos do que a locação, o aluguel, o empréstimo do poder semipresidencial do Legislativo ao Executivo através de uma coparticipação não autônoma e independente, como inscrita na Constituição e descrita por Ulysses, mas submissa, subordinada, sob o cabresto do poder do presidencialismo.
Ou seja, saímos do presidencialismo absolutista por obra e graça de uma Constituição legítima e promulgada e, pelas circunstâncias, resvalamos por outros meios para um absolutismo presidencial que a Constituição não previa através do arranjo, da cooptação do Parlamento, do “toma lá, dá cá”, de uma espécie de arrendamento do Poder do Legislativo pelo Executivo.
Faço uma rápida digressão histórica, até para registro, antes de chegar ao ponto que interessa, sem emitir juízos de valor. O resultado dessa acomodação e seu distanciamento dos princípios dos Constituintes levou ao primeiro impeachment — sintoma claro do poder constitucional novo do Parlamento, ainda não compreendido pelo sistema político —; a inúmeros abalos e escândalos; às crises que só ganharam proporção; ao segundo impeachment; até à erosão completa do sistema político como um todo e à onda antipolítica.
Nessa época, em 2016, por meio da adoção das emendas impositivas, o Parlamento finalmente se encontra com as origens do projeto constitucional e se afirma. (Palmas.)
A crise exigia uma nova postura, o fim das relações incestuosas entre Executivo e Legislativo, a afirmação e a independência como resposta para que ambos os Poderes governantes, como definiu Ulysses, pudessem se reposicionar e atravessar a tempestade da maior crise desde a redemocratização.
Qual foi o guia escolhido? A Constituição, a coparticipação e a corresponsabilidade. Estamos num ponto de onde nunca deveríamos ter nos desviado, aquele que mandou a Constituição e por tanto tempo foi adiado. E é importante destacar: todos nós, todas as senhoras e os senhores, fazemos parte da solução e não do problema. Basta ver algumas das fundamentais contribuições, reformas e votações em que V.Exas. contribuíram a favor de um Brasil melhor neste plenário.
Minhas amigas e meus amigos, tenho a humildade de reconhecer que podemos e temos de nos aperfeiçoar sempre, mas também tenho absoluta certeza de que o passado é um caminho sem volta, pois sabemos todos muito bem onde termina. Ele termina na destruição da política, no colapso da democracia. E não podemos mais correr o risco de experimentar isso. Têm razão os que pregam por mais transparência. Sou o primeiro dessa fila, sou a favor de uma radicalização quando falamos da transparência das contas que são, por definição, públicas.
Hoje, nas plataformas, temos tecnologias digitais capazes de acompanhar, em tempo real, cada centavo despendido por todos os Poderes. Por que este Parlamento, responsável que é pelo Orçamento, como determina a Constituição, não oferece à sociedade uma plataforma integrada de todos os Poderes, todos, para que os brasileiros e as brasileiras possam acompanhar todas as despesas, em tempo real, de todos os Poderes? (Palmas.) Transparência total a todos: a sociedade brasileira agradece.
Na questão da transparência, não pode haver opacidades e transparências relativas, porque o princípio é o da igualdade entre os Poderes. A Praça — sempre nos lembremos — é dos Três Poderes. Não é de um nem de dois Poderes. Quando não é dos Três Poderes, ela não é a Praça da Democracia. E todos defendemos a democracia. Sem democracia, este livro não é a Constituição, não é a civilização, é um pedaço de papel, é letra morta. E vamos lutar pela Constituição, pela nossa Constituição! (Palmas.)
Tudo isso, para concluir — estamos virando uma página da história —, todos os ruídos dos últimos anos, o estranhamento dos diversos agentes diante da afirmação do Poder Legislativo e as reações geraram momentos de maior ou menor tensionamento.
Agora sabemos que não estamos no ponto de chegada, mas no ponto de partida, onde nos colocaram os Constituintes e onde por décadas as circunstâncias não nos permitiram estar.
Quando cada um reconhece o seu lugar, o nome disso é respeito. Passou o tempo do dedo na cara. É hora do olho no olho. O respeito não grita. O respeito ouve e se faz ouvir. (Palmas.)
Minhas amigas e meus amigos, partindo para as considerações finais, faço uma referência especial à importância da dinâmica de harmonia que deve existir entre os três Poderes.
Ninguém é dono da Constituição. Todos somos seus devotos defensores e todos, sem exceção, devemos a ela obediência. A Constituição está acima de todos, e nada ou ninguém, acima dela, porque, fora disso, a democracia que a concebeu estará ferida de morte.
A democracia não tem dono. Somos todos donos da democracia. Porque, se a democracia tem um dono, a democracia não é de ninguém. Democracia só é democracia se é de todos. Estaremos sempre com a democracia, pela democracia, do lado da democracia. E seus inimigos, sibilinos ou ferozes, encontrarão no Legislativo uma barreira, como sempre encontraram ao longo da história. (Palmas.)
Poderes têm a obrigação de não apenas serem independentes, mas também de zelarem pela harmonia. Porque, sem harmonia, que muitas vezes se traduz na autocontenção, na compreensão de que nenhum poder pode tudo e de que todos, somente todos, podem representar na totalidade a democracia, sem harmonia, a democracia pode ser irremediavelmente fraturada. Serei um guardião da independência e uma sentinela permanente pela harmonia.
Todos temos nossas raízes, e há sempre um mistério que habita cada um de nós quando chegamos a este plenário, trazidos pela invisível e insondável vontade popular. Viemos todos das mais diferentes origens, com as mais diferentes trajetórias e aqui nos encontramos para convergir, dialogar, discordar, mas acima de tudo para cumprir o nosso dever com algo que está acima de nós: esta instituição e o que ela representa, o povo brasileiro, seus anseios, suas necessidades.
No meu quarto mandato, venho da minha amada Paraíba e da minha amada Patos, a minha terra, que é o meu barro. Minha família me moldou e me forjou: meu pai, Nabor, e a minha mãe, Ilana. À minha grande referência de vida, minha avó, uma guerreira, Francisca Motta, (Palmas.) a minha felicidade de fazer você feliz neste momento. Eu sou a flecha que um dia você lançou.
Minha mulher, Luana, a quem devo a minha felicidade, a parceria, as palavras sinceras na hora sempre certa, e os amores da minha vida, Paola e Hugo Filho. (Palmas.)
Temos muito o que fazer, antes de tudo colegas de trabalho e de vida. Eu sei a responsabilidade que me espera e sei também que ninguém faz nada sozinho. Citando pela última vez Ulysses, muitos têm maior probabilidade de acertar do que um só.
Vamos fazer o que é certo, pelo bem do Brasil. O Brasil não pode errar, e não podemos deixar que ninguém erre contra o Brasil. Temos de estar sempre do lado do Brasil.
Em harmonia com os demais Poderes, encerro com uma mensagem de otimismo: ainda estamos aqui!
Muito obrigado.