Analistas ouvidos pela reportagem da Sputnik identificaram o eixo estruturante da narrativa do ex-presidente da República
Por Misto Brasil – DF
Após virar réu por tentativa de golpe de Estado, o ex-presidente Jair Bolsonaro falou à imprensa cercado de apoiadores nesta quarta-feira (26) por cerca de 50 minutos.
Na tentativa de se defender, negou as acusações da PGR e se disse vítima de perseguição. Para analistas, a tendência é que a narrativa seja inflamada daqui em diante.
Bolsonaro, que esteve presente ontem no STF para assistir ao julgamento, não compareceu hoje. Após a decisão dos ministros, ele falou à imprensa em frente ao Senado, em Brasília.
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Cercado de apoiadores, entre eles o filho e senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o ex-presidente negou que tenha articulado com comandantes das Forças Armadas minuta para um golpe, conforme sustenta a denúncia da PGR.
Ao argumentar por que não esteve presente na etapa de hoje do julgamento, ele afirmou que já sabia o que aconteceria e se disse vítima de perseguição. A partir daí, Bolsonaro voltou a atacar o sistema eleitoral e defendeu o voto impresso.
“Não sou obrigado a confiar, a acreditar no programador [das urnas]. Confio na máquina, não sou obrigado a confiar no programador”, disse.
Além disso, Bolsonaro fez questão de incitar o julgamento como perseguição: “Parece que tem algo pessoal contra mim, as acusações são muito graves”.
Para Tayná Paolino, doutoranda em ciências sociais na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e coordenadora do Laboratório de Partidos Políticos, Eleições e Política Comparada (Lappcom), a tendência é que a “crítica ao sistema eleitoral e aos ministros da Suprema Corte — especialmente a Alexandre de Moraes — deve permanecer como eixo estruturante dessa narrativa” adotada pelo ex-presidente.
A analista aponta que Bolsonaro deve reforçar sua imagem como vítima diante do sistema com o objetivo de reforçar o vínculo com sua base mais fiel e alimentar a desconfiança em relação às instituições.
“A construção do ‘mártir’ político tem efeitos mobilizadores, sobretudo em contextos de crise de confiança institucional”, explica.
O professor Paulo Baía, sociólogo e docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), enxerga um Brasil polarizado atualmente. Neste sentido, “Bolsonaro sensibilizará aqueles que já acreditam em Bolsonaro e vai radicalizar aqueles que são contra Bolsonaro”.
“Evidentemente, aqueles que veem o ex-presidente como vítima e acreditam que nós estamos numa ditadura seguirão “uma narrativa dentro desse espectro dessa polarização calcificada do Brasil”.
Como toda vítima tem seu algoz, o especialista também aposta em Moraes e nos demais ministros do STF como alvos de Bolsonaro e dos bolsonaristas.
Do lado da oposição, a ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, afirmou que hoje a “Justiça falou” e chamou a decisão da Corte de “muito significativa”.
O presidente interino do PT, o senador Humberto Costa, afirmou que tornar Bolsonaro réu é “o começo de um processo de justiça e reparação”.